As imagens de damas elegantes desfilando pela rua com suas sombrinhas faz parte do nosso imaginário. Fosse para proteger do sol (já que uma pele bronzeada não era exatamente algo desejável numa dama) ou para adicionar um certo charme à toilette, a sombrinha era uma peça indispensável no guarda-roupa de qualquer mulher que quisesse passar por elegante e seus estilos acompanharam de perto as mudanças da moda vitoriana.
No artigo de hoje, vamos falar um pouquinho sobre a história das sombrinhas e como elas foram usadas por diferentes povos em diferentes épocas.
As sombrinhas na antiguidade
A sombrinha que nós conhecemos é tradicionalmente considerada uma invenção chinesa do século I, que foi aperfeiçoada pelos Europeus no século 19. Porém, encontramos objetos com formato e funções semelhantes em vários pontos da Ásia e da Europa bem antes disso. Um dos meus exemplos favoritos é esse relevo da antiga cidade de Persépolis, uma das várias capitais do antigo Império Persa. Com 2.500 anos de idade, ela mostra o Rei Xerxes (sim, aquele de “300”) caminhando debaixo de uma sombrinha levada por seus súditos:
Os egípcios também eram fãs das sombrinhas. Membros da família real, nobres e sacerdotes utilizavam sombrinhas pesadas, extremamente detalhadas, e decoradas com penas e tecidos. Mais do que apenas uma questão de status, as sombrinhas tinham um possível sentido religioso no Egito Antigo. Na mitologia egípcia, a estrutura do mundo era formada pelos corpos de três deuses: Nut (a deusa cujo corpo era o céu estrelado), Geb (a terra) e Shu (o ar). Shu sustentava o corpo de Nut acima de Geb, dando a ela o formato de um arco que lembra uma sombrinha:
Além disso, os egípcios acreditavam que a alma humana estava dividida em várias partes, sendo a sombra (shut) uma delas. A sombra era vista tanto como algo que representava parte do ser humano, mas também como uma serva de Anúbis ligada à morte. Andar pelas ruas com seu corpo protegido do sol pelas sombrinhas também era uma forma de proteger essa parte da alma.
No primeiro milênio antes de Cristo, as sombrinhas começaram a se espalhar pelo mundo antigo com uma função mais social: assim como os persas, gregos e romanos usavam sombrinhas como símbolos de status e até em cerimônias religiosas. Durante o festival da Scirophoria celebrado na cidade de Atenas, a sacerdotisa-chefe da deusa Atena saía de dentro do templo do Parthenon debaixo de uma sombrinha branca, para realizar um sacrifício à deusa. Numa outra festividade, a Panathenaea, as filhas de estrangeiros residentes em Atenas carregavam sombrinhas protegendo as cabeças das mulheres atenenses, numa demonstração pública de inferioridade dos estrangeiros dentro da cidade.
A julgar pelas representações da época, o umbraculum greco-romano era muito parecido com as sombrinhas modernas, no formato e na presença de varetas. Só que eram feitos de madeira e usavam cobertura de linho ou seda.
As sombrinhas chinesas
Embora ainda seja muito discutido quem realmente fez a primeira sombrinha, nós sabemos quem deu a ela o formato que a gente conhece: os chineses. As sombrinhas chinesas tradicionais tinham armações de bambu e eram cobertas com papel oleoso; elas já eram articuladas e impermeabilizadas, algo muito próximo das sombrinhas atuais. Com o desenvolvimento da Rota da Seda, elas passaram a ser cobertas também com esse material.
Uma das principais diferenças entre o uso das sombrinhas no Egito e na China é que qualquer chinês poderia usar uma, sem restrição de classe. As restrições estavam mais no campo dos materiais. Somente membros da nobreza podiam usar sombrinhas amarelas, cobertas em seda e adornadas com franjas, bordados em ouro e até pedras preciosas. Além disso, pessoas de status social elevado nunca carregavam suas próprias sombrinhas e se faziam acompanhar por criados só para este fim. O restante da população usava sombrinhas azuis ou vermelhas, pouco decoradas, feitas de papel e bambu.
As sombrinhas se tornaram muito populares nos países do Leste Asiático por razões religiosas. Dentro do budismo, a sombrinha/guarda-sol é um dos oito símbolos auspiciosos e está relacionada à proteção contra o sofrimento, além de ser um símbolo de dignidade e realeza. Através da extensa Rota da Seda, as sombrinhas se espalharam pela Ásia, Europa e África.
Sombrinhas na Europa
Foi através do contato com a China (pela Rota da Seda) e com a Índia (pela Rota das Especiarias) que as sombrinhas chegaram à Europa.
Durante a Idade Média, seu uso ficou bastante restrito aos membros da Igreja e a alguns membros da nobreza, mas não como proteção contra o sol ou contra a chuva. No período medieval, as sombrinhas parecem ter sido mais um elemento cerimonial do que qualquer outra coisa.
Foi a partir do século 16, com as Grandes Navegações, que as sombrinhas conheceram seus dias de glória na Europa. Feitas em seda e importadas diretamente da Índia pelos portugueses, as sombrinhas se tornaram símbolos de riqueza e prestígio. Um dos primeiros registros visuais das sombrinhas nessa época é uma pintura italiana de 1530, em que a Virgem Maria e o Menino Jesus aparecem parcialmente protegidos por uma sombrinha ricamente decorada:
As sombrinhas se tornaram particularmente populares entre as mulheres italianas e francesas, mas eram vistas com certa desconfiança na Inglaterra. Elas não eram exatamente acessíveis: importadas e delicadas, elas eram usadas por nobres e burgueses ricos e foram vendidas na Europa como produtos de luxo durante todo o século 17 e 18.
A partir do século 17, franceses e italianos instituem as primeiras fábricas de sombrinhas na Europa. Esse é o momento em que nasce a sombrinha de época que nós conhecemos. Apesar da influência oriental, as sombrinhas europeias começam a criar características próprias, como a introdução das armações metálicas:
Fonte: Victoria & Albert Museum
E o uso de franjas metálicas (uma característica muito marcante dos modelos do século 17), bordas com formatos diferentes, bordados em fios metálicos e todo tipo de tecido de seda que vocês imaginarem:
Também é no século 17 que a sombrinha e o guarda-chuvas vão se separar, inclusive com o surgimento de palavras diferentes para os dois objetos no francês e no inglês. A grande diferença estava nos materiais utilizados (seda nas sombrinhas e tecidos menos nobres no guarda-chuva) e no fato de que os guarda-chuvas eram impermeabilizados com óleos, assim como se fazia na China. Com o surgimento dessa diferença, também vemos uma tendência de as sombrinhas se tornarem objetos femininos, o que vai se confirmar a partir do século 18 e virar regra no século 19.
Fonte: Metropolitan Museum of NY.
Nos tempos de Maria Antonieta
A França do século 18 amava as sombrinhas e guarda-chuvas, mas isso não parecia se aplicar ao resto do mundo. Quando Jonas Hanway retornou de sua viagem à França, em 1750, trouxe consigo um guarda-chuvas. Conhecido pelas suas excentricidades, Hanway esperou a primeira chuva para desfilar com a nova aquisição pelas ruas de Londres, atraindo a atenção e o desprezo das pessoas. O motivo? O guarda-chuvas eram considerado “francês demais”, “afeminado” e “antinatural”.
No século 18, as sombrinhas também não tinham lá muitos amigos. Elas eram populares entre as mulheres nobres, mas numa época em que as tensões sociais estavam crescendo na Europa, as sombrinhas também eram vistas como um dos símbolos do consumo irresponsável e desenfreado da nobreza. Além disso, eram vistas como uma afetação desnecessária e rejeitadas por grande parte da burguesia – o que não impediu que elas se tornassem populares entre as mulheres nobres, até mesmo numa curiosa combinação de bengala e sombrinha:
No século 18 as estampas e decorações das sombrinhas também ficam um pouco mais leves. Saem os pesados bordados e as franjas metálicas e entram as sedas estampadas com florais e adamascados típicos da indústrias de seda francesas: