A Modista do Desterro – Pauline Kisner

O que eram as “sedas bizarras”?

As chamadas “sedas bizarras” (ing: bizarre silks) eram um tipo de estamparia de tecidos de seda que foi muito popular na Europa entre os anos 1660 e 1720. Os padrões eram grandes e assimétricos, em cores vivas e usando florais com um quê de fantasia, muito inspirados pelas sedas asiáticas. As primeiras sedas bizarras foram possivelmente manufaturadas na região de Lyon, França, ainda no século 17, embora alguns pesquisadores do tema acreditem que elas tenham sido originalmente fabricadas na Índia e só depois apropriadas pelas manufaturas europeias. No entanto, pesquisas mais recentes apontam que as sedas bizarras foram produzidas exclusivamente na Europa mesmo, inicialmente na França e depois em outros países.

Esse brocado de 1708, de fabricação inglesa, é o exemplo perfeito do tipo de estampa que encontramos nas sedas bizarras.

As sedas bizarras surgiram provavelmente como uma tentativa dos reinos europeus de proteger suas economias contra a entrada massiva de tecidos importados da Índia e China. Através das leis suntuárias, os reis da França e Inglaterra procuravam regular o consumo desses artigos de luxo: a França proibiu o uso das chitas indianas em 1686 e a Inglaterra seguiu o mesmo caminho em 1701. Mas só isso não bastava. Então os governos começaram a estimular a instalação de fábricas locais, com as bênçãos do Rei, que pudessem produzir tecidos nacionais que pudessem competir e substituir os importados. Através da combinação de pesadas tributações e proibições aos panos importados com esse estímulo governamental, as tecelagens de seda começaram a ganhar força. Dentre elas estavam as tecelagens que produziram as sedas bizarras, que chegaram a enviar tecelões para a Índia e China para aprender as técnicas de tecer e tingir usadas por lá!

Só a título de curiosidade: esse é um típico design do tipo medalhão. Ele é perfeitamente simétrico e super característico do Barroco. Bem diferente do brocado bizarro ali de cima, né? Esse aqui é do final do século 17 ou começo do século 18.

Com seus padrões curiosos, as sedas bizarras não são exatamente o que nós consideramos como sinônimo de beleza ou mesmo o tipo de estampa que associamos imediatamente ao século 18. Mas, a cada ano, os artesãos franceses desenvolviam novos desenhos e cores que eram consumidos em toda a Europa, de forma que ainda encontramos sedas bizarras em vestidos dos anos 1740 a 1760, embora seja meio que consenso entre os historiadores que elas já não fossem fabricadas depois de 1735. É possível que as sedas tenham sido reaproveitadas de vestidos antigos, já que essa era uma prática comum numa época em que tecidos eram realmente muito caros, especialmente os de seda. Esse vestido é um exemplo prático: o tecido é uma típica seda bizarra dos anos 1720-1730, que foi desmontada e remodelada num Robe a l’Anglaise dos anos 1760:

sedas bizarras tecidos século 18
Robe a l’Anglaise (1760s). Museu de Belas Artes de Boston.

Ou esse Robe a la Française dos anos 1770, com um tecido que remonta também ao período 1720-1730:

sedas bizarras robe a la française século 18

As sedas bizarras conheceram seu auge nas duas primeiras décadas do século 18. Seus designs eram perfeitos para os complexos drapeados das Mantuas que dominavam o palácio de Versalhes. Esse traje francês de 1708 mostra bem essa integração entre a silhueta e a estampa:

Mas as sedas bizarras não eram uma exclusividade do guarda-roupas feminino. Elas aparecem em trajes masculinos informais como o Banyan, esse casaco claramente inspirado pelos quimonos e que era usado como traje doméstico:

sedas bizarras tecidos século 18
Banyan inglês, 1707-1720. Victoria & Albert Museum.

Mas elas também aparecem em casacos e coletes, talvez não do tipo que seria usada numa cerimônia formal na Corte, como esse modelo de 1715:

sedas bizarras tecidos século 18

A partir de 1720, as sedas bizarras vão perdendo espaço para designs mais delicados, inspirados pelos desenhos das rendas. Os elementos florais começam a perder suas características fantásticas e vão se tornando cada vez mais naturalistas, incorporando estilos das ilustrações científicas e novas espécies descobertas na Ásia e América. Nas décadas seguintes, as estampas passariam a ser dominadas pelos florais graúdos (1750-1770) e finalmente pelos florais miúdos e delicados do Rococó (1770-1780) que tradicionalmente são relacionados ao século 18.

Sedas bizarras em acervos para referência

Esse vídeo mostra algumas sedas bizarras originais que integram a coleção da Fundação Abegg-Stiftung, na Suíça:

Bizarre Seiden from Maison Standard on Vimeo.

O Museu Victoria & Albert tem várias fotografias de um livro de amostras de James Leman, um dos principais designers de sedas estampadas inglesas no começo do século 18. Clique aqui para abrir.

O Museu Metropolitano de Nova York também tem algumas amostras bem interessantes de sedas bizarras da Itália e França, além das inglesas. Clique aqui para abrir.

REFERÊNCIAS

Arnold, Janet.  Patterns of Fashion: The Cut and Construction of Clothes for Men and Women c. 1560-1620.  London: Macmillian.  1985

Thornton, Peter.  The ‘Bizarre’ Silks.  The Burlington Magazine Vol. 100, No. 665 (Aug., 1958), pp. 265-270, London.

Tags:

compartilhe

Posts Relacionados

Uma resposta

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *