Ah, o século 18, com todos aqueles laços, volumes e vestidos de nomes complicados!
Explorar a moda do século 18 é um deleite para os olhos e um exercício de explorar pequenos detalhes de corte e decoração. Mas, à medida em que você se aprofunda na moda dos 1700s, é fácil se confundir com os vários estilos de vestidos, cada um característico de uma ou mais década específicas do século. Para ajudar você a entender esses diferentes estilos, começamos hoje uma pequena série sobre o assunto, intitulada “Robe a la o quê?!?”
Antes de partirmos para os vários estilos de vestidos do século 18, porém, precisamos entender um pouquinho sobre o contexto em que esses vestidos aparecem. Se você só quer mesmo conhecer um ou mais estilos específicos, pode até pular uma parte do artigo e ir direto para o primeiro vestido, que é o Robe de Cour. Porém, eu realmente recomendo a leitura do resto do post, não só para os curiosos, mas para quem trabalha ou pretende trabalhar com figurino. Nesse caso, entender a dinâmica social e o porquê de cada traje é fundamental para dar credibilidade ao guarda-roupa do personagem que você está vestindo.
Vamos lá, então? Pegue seu champagne, macarons e cupcakes e vem comigo dar uma voltinha na Europa do século 18.
A França e o Império da Moda
Na maior parte das vezes, os vestidos do século 18 são referidos como “robe a la (alguma coisa)”.
Mesmo fora da França, o termo em francês permanecia em uso, pois desde o século 17 a corte francesa em Versalhes tinha se imposto como um centro irradiador de tudo o que era elegante e estava na moda. Mesmo variações com nomes regionais como “a la polonaise” ou “a la turque” eram, na verdade, interpretações francesas sobre elementos de outras regiões e às vezes só invencionice mesmo. Claro que essa predominância francesa se aplicava às modas da nobreza e da burguesia rica na Europa e colônias; quando falamos de trabalhadores comuns, como artesãos e camponeses, é uma outra discussão, com outras referências.
Falar de século 18 é falar de uma moda extremamente segmentada de acordo com os diferentes grupos sociais. Para você entender um pouco mais sobre a organização da sociedade europeia, principalmente francesa, na época, recomendo este artigo no blog da Sociedade Histórica Destherrense.
Ser nobre no século 18 era um assunto sério, marcado pela ideia de noblesse oblige: uma noção bem francesa de que, por nascer em uma família nobre, você tinha certas obrigações sociais, dentre elas a de sempre estar bem apresentado e de acordo com a sua posição superior na sociedade. Mas nem todos os nobres eram iguais, não: havia uma pequena nobreza, que era nobre mas não tão importante assim e normalmente vivia nas suas propriedades no campo; e havia a nobreza cortesã, aquela que vivia na Corte e orbitava em torno do Rei como se ele fosse realmente o Astro-Rei. De uma forma geral, tanto uma quanto a outra eram ávidas consumidoras da moda de luxo, mas na nobreza cortesã o jogo era simplesmente em outro nível.
Em Versalhes (e depois, por imitação, em outras cortes europeias), toda a rotina era criada em torno do Rei e pensando em fazer do Rei o centro desse pequeno universo de nobres ocupados com intrigas palacianas, políticas e complôs. Luís XIV, o rei por trás da construção de Versalhes, foi muito sagaz ao perceber que a moda tanto podia ser um instrumento político quando econômico: estabelecendo diretrizes para o que os nobres poderiam ou não vestir dentro do palácio, ele não só afirmava seu poder de controle sobre algo tão íntimo e pessoal quanto a roupa, mas estimulava a indústria têxtil francesa, criando um lucrativo mercado para sedas e rendas produzidas nacionalmente.
Le Robe de Cour
Tanto quanto um estadista de visão, Luis XIV era um homem de bom gosto e que tinha um certo apreço pelo colo feminino. Atribui-se oficialmente a essa preferência do rei a criação do Robe de Cour ou Grand Habit, uma espécie de uniforme a ser usado pela nobreza em ocasiões nas quais o Rei estivesse presente.
O Robe de Cour era de uso obrigatório pela nobreza cortesã em funções formais da Corte e dele estavam dispensadas apenas as mulheres em situações delicadas (doença ou gravidez). Com um estilo especialmente rígido, o robe de cour era um traje que obrigava o corpo da usuária a assumir uma certa solenidade e um ar digno de nobreza, como se esperava dos membros da Corte francesa. Além disso, o robe de cour era obrigatoriamente feito em seda com acabamentos em renda, representando um estímulo à manufatura francesa.
O Corpete
O robe de cour é formado por um corpete rígido e estruturado com barbatanas, que dispensa o uso do espartilho, com decote baixo e aberto e mangas removíveis. As mangas eram feitas com folhos de renda, podendo ter de duas a quatro camadas de acordo com a década. O corte do corpete em si foi variando de acordo com as tendências de cada década, mas ele reteve como características a rigidez e o decote amplo, assim como o fechamento nas costas com um sistema de cordões que não ficavam à mostra. A única mudança significativa que temos aqui é nos anos 1770-1780, quando o decote arredondado dá lugar a uma linha um pouco mais quadrada, dentro do que era tendência da época.
Embora fosse comum confeccionar o robe de cour em sedas estampadas (brocadas, bordadas ou pintadas à mão), muitas vezes os corpetes ganhavam adornos pesados com jóias (cordões de pérola, broches com pedras preciosas) e aplicações de rendas, laços e bordados extras.
Quando Maria chegou a Versalhes para sua cerimônia de casamento em 1725, as crônicas da época dão conta de que a saia do seu vestido e seu corpete “brilhavam carregados de diamantes”.
A saia
A saia do robe de cour era necessariamente feita no mesmo tecido que o corpete e obedecia ao formato em voga em cada época. Até 1720, elas eram cônicas e, a partir de 1730, passam a ser usadas sobre panniers, que são aquelas armações com volume apenas na lateral:
O que teremos de variantes aqui são as decorações, que mudam bastante ao longo do século, e no formato da saia, que mudava levemente de acordo com o país. Por exemplo: nos anos 1760, as saias eram estreitas na frente e largas para o lado, com poucas decorações; nos anos 1780, elas perdem largura, mas ganham decorações volumosas com drapeados e laços.
Uma parte importantíssima do robe de cour era a cauda, que podia ser usada a partir dos ombros como uma capa, ou como uma peça removível na cintura do vestido (o mais comum). Via de regra, quanto mais longa a cauda, maior o status da mulher. Na Inglaterra e na Aústria, o costume era que a cauda fosse carregada pelas damas de companhia (no caso de rainha e princesas de sangue real) ou no braço da própria dama. Na França, o costume já mandava que a cauda arrastasse no chão, isso apesar da notória sujeira do Palácio de Versalhes.
Um Robe de Cour de verdade em detalhes
Poucos robes de cour sobreviveram, talvez porque seus tecidos tenham sido reutilizados para outros vestidos depois. Dentre os sobreviventes, um dos mais famosos está na Suécia: o vestido que a princesa Sofia Magdalena da Dinamarca usou ao se casar com Gustav III, rei da Suécia, em 1766. Confeccionado em brocado com fios de prata, um tecido muito usado nos trajes de casamento da realeza do século 18, ele é uma jóia da moda história. Preservado em condições excelentes, ele nos ajuda a ver in loco a estrutura de um típico de robe de cour.
Se na França e nos seus reinos aliados o robe de cour francês imperava, na Inglaterra no estilo era outro. No próximo post, vamos falar sobre a mantua usada na corte inglesa.
Saiba mais
KÖHLER C. História do vestuário.
RIBEIRO, Aileen. Fashion in the French Revolution.
ROCHE, Daniel. A cultura das aparências.
WAUGH, Nora. The Cut of Women’s Clothes (1600-1930)
Acompanhe a série completa:
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