Uma questão que aparece com frequência quando falamos sobre cosméticos e higiene no século 18 é a famosa “é verdade que eles não tomavam banho?”. Há uma espécie de senso comum de que as pessoas daquela época viviam na mais abominável sujeira, com sedas e perfumes caros disfarçando um corpo que nunca era tocado pela água. Isso está longe de ser verdade. Um simples “sim” ou “não” para a pergunta sobre o banho não é possível, infelizmente.
Façamos outra pergunta, muito mais fácil de ser respondida: “As pessoas do século 18 não queriam ficar limpas?”
Sim, claro que elas queriam. A limpeza tem sido um aspecto importante em cada cultura ao longo da história. Era tão importante para as pessoas do século 18 quanto é para nós hoje. Contudo, a visão deles do que era considerado limpo e higiênico não era a mesma que é norma atualmente. O padrão de higiene, para quem vive nos dias de hoje, geralmente significa uma ducha diária, roupas limpas trocadas diariamente graças às máquinas de lavar, desodorante, sabão, shampoo e escovas de dente. Isso é o normal, é aquilo que somos educados a acreditar como sendo o mínimo necessário para nos mantermos limpos. Se fôssemos transportados para o século 18, encontraríamos um mundo com cheiros muito diferentes do nosso e bem mais intensos. Mas quem vivesse na época não pensaria isso. Mesmo as pessoas que se banhavam em água corrente com frequência provavelmente teriam odores corporais muito mais do que o nosso nariz do século 21 consideraria aceitável, mas nenhum dos seus contemporâneos notaria isso. Para entender a higiene dos anos 1700s, precisamos compreender que a visão deles sobre o assunto eram diferente da nossa, mesmo que o objetivo fosse o mesmo: ficar limpo.
É verdade que as pessoas não tomavam banho antigamente?
Banhos de imersão e/ou usando água quente não eram algo que todo mundo fazia com regularidade e havia razões para isso. Para começo de conversa, era preciso ter água quente e limpa. Hoje, quando temos a facilidade de apenas abrir uma torneira para ter água dentro de casa, nós não pensamos muito sobre isso, mas no século 18 isso era um produto de luxo. Na grandes cidades era difícil encontrar água limpa e, para se banhar, a pessoa precisava primeiro arranjar a água – e isso significava que alguém precisaria carregar a água da fonte para a banheira e depois despejar a água usada. Se não houvesse um banheiro, a banheira poderia ser colocada no quarto ou na cozinha. Se a pessoa não fizesse, precisaria de um criado para o serviço. Também era preciso aquecer a água, o que significava ter um fogão, comprar lenha, etc. Algo tão simples como um banho não era tão simples assim há 200 ou 300 anos.
Havia também uma resistência cultural aos banhos quentes, que ainda estava bastante difundida no século 18: a noção de que a água quente era prejudicial à saúde. Os poros eram vistos como aberturas na pele e muitos médicos acreditavam que os banhos de imersão facilitavam a entrada de doenças no corpo. Esta ideia foi perdendo força, a princípio entre as camadas abastadas, ao longo do século.
Então, o que as pessoas faziam para se manter limpas?
Bom, elas tomavam banho. Talvez não todo mundo e nem com a frequência que nós gostaríamos. Várias receitas de sabão podem ser encontradas nos livros da época, contendo ervas e temperos e acrescentando uma função esfoliante ao sabão.
As pessoas também tomavam banho fora de caso, em lagos e rios, quando o tempo permitia. A água fria não oferecia o mesmo perigo que a quente e era vista como fortalecedora dos corpos e saudável. Quando os banhos regulares passaram a se difundir entre as classes ricas, no final do século, a água fria ainda era preferida à quente.
Mesmo aqueles que não se banhavam, ou faziam-no raramente, tinham meios de se manter limpos. Em cartas e diários há menções a pessoas que eram consideradas sujas e mal-cheirosas, o que nos indica que, mesmo numa época de odores mais fortes do que hoje, falta de higiene era algo que se notava. As pessoas se lavavam, mesmo sem banhos quentes.
Banhos secos e banhos de esponja são uma maneira eficiente de poupar água e ainda ficar limpo. Com a ajuda de uma jarra de água, sabão e uma esponja ou toalha, é relativamente fácil lavar o corpo com um gasto mínimo de água. De fato, você pode ficar até mais limpo do que com uma ducha ou banho de banheira. O famoso “banho de gato”, feito com um pedaço de pano embebido em água, é mais eficiente do que parece e era muito usado no século 18. Um dos tratos de cosmética mais famosos da época, “The Toilet of Flora” (1779), traz várias receitas de misturas herbais para esse banho. Uma das minhas favoritas é esse banho aromático:
Quando você está na banheira, as células mortas da pele, pêlos, poeira e sujeira, misturado com sabão, ficam na superfície da água. Ao emergir, você acaba com tudo isso na pele outra vez e precisa de um enxágue para ficar completamente limpo. Luís XV, por exemplo, tinha duas banheiras para resolver esse problema. O rei da França e sua amante, Madame de Pompadour, eram grandes entusiastas do banho, assim como Maria Antonieta, que se banhava todas as manhãs. Na França, os bidês eram populares e usados para realizar a higiene íntima, podendo ser substituídos por uma cadeira e uma bacia.
Outra razão para limpar-se era uma preocupação inexistente para nós: coisas rastejando na pele. Pulgas e piolhos eram um problema comum a todas as camadas da sociedade e há várias receitas da época para se livrar deles. Alguns conselhos incluem lavar o cabelo e o corpo com infusões herbais (Nota Pessoal: a arruda é muito eficiente para afastar piolhos. Experiência própria). Outras são de deixar os cabelos em pé: lavar o cabelo com uma solução de arsênico e untar o corpo com uma mistura de mercúrio e manteiga.
Roupa Branca
Uma das maneiras de atestar sua limpeza ao mundo era usar roupa íntima limpa. Era uma aspiração de todas as camadas sociais possuir tantas chemises quanto fosse possível. Aqueles que tinham condições podiam ter uma variedades de camisas de uso íntimo em diferentes qualidades, desde aquelas feitas em finíssimo linho bordado para usar em ocasiões especiais até as mais grosseiras, para caçar, dormir e tomar banho.
Cuidados Dentais
É inquestionável que os cuidados dentais eram muito menos eficientes do que hoje. Não havia dentistas e se você precisava remover um dente cariado, você procurava um médico ou um barbeiro (que tinham autorização para fazer pequenos procedimentos médicos) que o removeria com um boticão e sem anestesia. Eles também poderiam preencher a cavidade deixada pelo dente, às vezes usando uma pasta à base de chumbo.
Mas havia um interesse pelo cuidado cotidiano com os dentes e qualquer coleção de receitas de cosméticos do século XVIII tem uma grande quantidade de sugestões de enxaguantes bucais e pós dentifrícios, os precursores da pasta de dente. Algumas dessas receitas contém elementos muito abrasivos como pedra pome ou açucarador como mel, mas várias delas fazem um bom trabalho de limpeza. As escovas de dente, surgidas no século XVII, eram um artigo de luxo. A limpeza era feita então com um pedaço de linho, esponjas ou raízes de plantas especialmente preparadas, além de bálsamos e unguentos que prometiam evitar problemas dentais:
Menstruação
Um aspecto importante da higiene feminina é a menstruação. Erroneamente, muitas pessoas propagam a ideia de que as mulheres do século 18 simplesmente deixavam o sangue correr por baixo dos vestidos, o que é muito improvável: os 1700s, as roupas eram caras e era tomado muito cuidado para não danificá-las.
Uma das maneiras de segurar o fluxo menstrual era utilizar os chauffoirs, ancestrais dos absorventes modernos, que consistiam em guardanapos de linho presos à cintura por cordões e um cinto. Por outro lado, havia os métodos empregados pelas mulheres comuns: pegar pedaços de tecido tirados de toalhas e lençóis velhos e usar como absorventes. Essa prática se manteve durante a Era Vitoriana e mesmo depois da popularização dos primeiros absorventes comerciais.
Uma curiosidade: em Versalhes, considerava-se que o odor do corpo feminino durante a menstruação era afrodisíaco. Já em outros lugares da Europa, as mulheres buscavam disfarçar o odor através do uso de bálsamos perfumados.
Traduzido e adaptado de: Keeping Clean in 18th Century
4 respostas
Que postagem sensacional, adorei saber sobre o assunto.
Beijos
http://www.glamour2.com
Em Florianópolis, um xingamento quase que afetivo é chamar a pessoa de “istepô” lê-se “ixtepozinho de merrda” hehehe. Istepô é o nome dado ao paninho de limpar as partes íntimas após usar o banheiro, e não era comum todos ter um, apenas os mais abastados.
Parabéns! Amei a matéria. Me lembro bem que ate em meados de 1970, as mulheres usava muito os paninhos ou toalhinhas para conter o fluxo menstrual.
Tenho 63 anos e usei por muito tempo o paninho. Minha mãe cortava lençóis e toalhas velhas. Apesar de já existir o absorvente(marca Modes) Minha mãe não tinha condições de comprar o absorvente que era muito caro e pra poucos.