A Modista do Desterro – Pauline Kisner

De onde veio a quadrilha de São João?

Junho mal começou e eu só consigo pensar em duas coisas: festa junina e quadrilha de São João.

Eu amo festa junina e tudo o que vem no pacote com ela: bandeirinhas, pescaria, as comidinhas…e as danças, claro! Desde criança eu não perco a chance de dançar uma quadrilha de São João e adoro assistir aos vídeos daquelas quadrilhas imeeeensas do Nordeste. E embora aqui no Brasil quadrilha junina seja sinônimo de festa popular e até de dança folclórica, ela tem uma origem realmente nobre, que começa lá na França dos anos 1760.

É difícil imaginar a rainha Maria Antonieta dançando uma quadrilha, mas isso provavelmente aconteceu. A quadrille, nome original da dança, foi introduzida na corte de Luis XV na época da febre das contradanças. Sua origem não é certa, mas é provável que tenha se originado de paradas militares em que grupos de quatro cavaleiros executavam pequenas coreografias. Em italiano esses grupos eram chamados de quadriglias e esta pode ser inclusive a origem do nome.

A quadrilha francesa misturava elementos de danças populares com passos do balé e movimentos de outras danças de Corte, como o minueto. Era dançada por quatro casais voltados para o centro, que se alternavam executando as figuras, movimentos pré-determinados que eram repetidos várias vezes durante a dança. A ordem dos passos era ditada pelo Mestre de Danças, que convocava os próximos passos e ditava o ritmo da dança. Nos anos 1780, as quadrilhas já haviam se tornado bastante complexas, mas não se espalharam pela Europa até o fim das Guerras Napoleônicas, em 1815.

condessa de jersey quadrilha de são joão
Sarah Sophia Child Villiers, Condessa de Jersey.

A quadrilha francesa chegou à Inglaterra em 1816 pelas mãos da Condessa de Jersey e logo se tornou uma das danças mais populares entre a nobreza e aqueles que queriam imitá-la. Mas, apesar de todos os problemas que França e Inglaterra enfrentavam no campo político, a quadrilha preservou o nome dos movimentos em francês. Alguns deles estão presentes até hoje na quadrilha de São João, ainda que adaptados para o português: anarriê (en arriere), balancê (balancé) e galope (gallop) são ótimos exemplos. Outros preservaram o movimento mas mudaram o nome, como “damas ao centro” (chaine des dames na quadrilha original), “cavalheiros procuram suas damas” (la grande chaine) e “a grande roda” (le grand quarré).

Ironicamente, a Inglaterra foi o primeiro país a ser vitimado pela febre das quadrilhas e aí pode estar a origem da nossa quadrilha de São João. Se você lembra das suas aulas de História, sabe que em 1816 a Família Real Portuguesa ainda estava no Brasil e que a Inglaterra era o principal aliado dos portugueses. Era também um grande parceiro comercial, o que significa que os produtos ingleses – desde tecidos até partituras musicais – inundavam o Rio de Janeiro e Salvador nessa época. É bem provável que a quadrilha francesa tenha chego ao Brasil no começo do século 19 como uma dança da elite e se transformado ao longo dos anos para dar origem à quadrilha de São João que a gente conhece.

Só para você ter uma noção do nível dessa transformação, dê uma olhadinha no vídeo a seguir. Ele é uma reconstrução feita a partir de um manual de dança inglês de 1815-1817 e dá uma boa ideia de como era dançada a quadrilha original:

A quadrinha do século 19

Ao longo do século 19, a quadrilha continuou sendo incrivelmente popular não só na Inglaterra, mas na Europa toda. Novas figuras foram sendo introduzidas, deixando a dança cada vez mais elaborada e fazendo da quadrilha um dos momentos mais esperados dos bailes vitorianos. Em cada país havia  variações regionais e pequenos compositores ganhavam a vida escrevendo peças de quadrilha que eram vendidas para as famílias ricas. Nem só os pequenos, na verdade. O professor de piano da Princesa Isabel dedicou a ela uma quadrilha composta para seu aniversário de 15 anos e D. Maria II, rainha de Portugal e irmã mais velha de D. Pedro II, compôs pelo menos duas quadrilhas completas!

quadrilha sao joão origem século 18

Como já falamos lá em cima, a quadrilha era baseada em figuras ou conjuntos de movimentos executados pelos casais. À medida em que esses movimentos ficavam mais complexos, famílias ricas contratavam instrutores de dança para treinar seus filhos, além de comprar os grandes manuais de dança que circulavam na Europa e América, detalhando as figuras e seus passos.

Tradicionalmente, a quadrilha francesa tinha cinco figuras:

Ao longo do século 19, novos conjuntos de figuras foram introduzidos, como a maravilhosa Les Lanciers:

E passos e ritmos emprestados de outras danças, como a valsa e a mazurka, começaram a aparecer também:

Na Europa, as quadrilhas começaram a perder espaço nos salões elegantes por volta de 1870, quando outras danças, como a valsa e as polcas, entraram em voga. Quando isso aconteceu, a quadrilha já era dançada nos bailes públicos de Paris e Viena e marcava presença em festas de casamento da população humilde por quase toda a Europa. Aqui na América as quadrilhas vão “sair de moda” já às portas do século 20, mas também permanecem como um elemento das danças populares e impossíveis de separar do imaginário nacional, principalmente nas regiões Norte e Nordeste.

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