Conhecendo a persona
“D. Catarina” foi desenvolvida para as atividades da Floripa Dazantiga que retratam o período entre 1777 e 1787. O ponto de partida foram os processos que enviaram degredados de Portugal para a Ilha de Santa Catarina nas duas últimas décadas do século 18, como parte da curiosa política de povoamento portuguesa para o litoral sul do Brasil. “D. Catarina” é baseada na história de Dona Maria Perpétua de Faria Aguiar Loureiro, uma fidalga portuguesa que acompanhou o marido no degredo na Ilha de Santa Catarina nos anos 1790.
D. Catarina é uma mulher de origem nobre em uma Ilha onde a maior parte da população era formada por descendentes de colonos açorianos, que praticavam a agricultura, atividades comerciais e formavam a base das tropas da região. Ela tem uma posição social definida e elevada dentro dessa sociedade, pois a pena de degredo do marido não apaga o seu nascimento na nobreza e suas conexões sociais. Escolhi trabalhar com uma persona nessa posição porque ela me permite navegar por tópicos que não seriam de conhecimento do morador comum da Ilha, como nuances políticas e de etiqueta da época. Também foi muito mais fácil conseguir referência visuais para uma persona da pequena nobreza do que para um colono português do período e eu não queria trabalhar na base da especulação, trazendo elementos de outros países que talvez não se aplicassem ao território do Império Português.
O Kit
Para montar D. Catarina, optei por tonalidades de azul que tanto fossem próprias do século 18 quanto remetessem à paleta tradicional dos azulejos portugueses:
Caraco Floral
É muito difícil conseguir tecidos florais com estampas historicamente adequadas no Brasil. A saída é procurar estampas com cores, motivos e proporções mais próximas aos originais, que foi basicamente o que eu fiz com essa peça.
Eu queria muito um caraco floral porque é uma peça que GRITA século 18. O molde é próprio, traçado a partir de um dos modelos do livro “Patterns of Fashion”:
Acabei fazendo algumas mudanças no comprimento e no formato das pregas para criar um traje mais leve e que trouxesse uma ideia mais jovial para a persona, que tem uma personalidade expansiva e sociável:
O tecido floral é um percal de lençol, forrado com algodão cru. O caraco não tem barbatanas, já que os dois tecidos têm boa estrutura e a peça é usada sobre um corset típico do período. Usei cerca de 1m de cada tecido, já que as mangas não são forradas.
A decoração desse caraco é simples, mas fiquei particularmente orgulhosa dela. Queria algo que não fosse muito exagerado, nem exigisse comprar mais material. Então peguei algumas sobras do tecido floral, cortei em tiras e fiz uma decoração com ruching, uma técnica típica da época:
Apliquei o ruching no decote e mangas e gostei bastante do resultado:
Saia
A saia foi confeccionada em tergal, seguindo o padrão do século 18: são dois retângulos (frente e costas, com 1.5m de largura cada) pregueados na cintura, com aberturas laterais que permitem acessar os bolsos internos, que são removíveis e amarrados na cintura. É uma saia sem decoração, que eu mantenho assim para poder usar em diferentes trajes.
Planejo postar um tutorial para esse tipo de saia aqui no blog em breve. Enquanto isso, se você lê em inglês, pode conferir um tutorial excelente no blog da American Duchess.
Os acessórios
Trajes históricos vão do inferno ao céu com os acessórios corretos (e fazem o caminho contrário com os acessórios errados!). D. Catarina é um trabalho em desenvolvimento: cada vez que monto o traje, penso em novos acessórios que poderiam ser incluídos ou usados de forma diferente. Mas vou falar sobre os mais básicos aqui:
Toucado
A touca de algodão, feita à mão, é um dos projetos que tirei do livro “The American Duchess Guide to 18th Century Dressmaking”, que inclusive já resenhei aqui no blog. É um projeto simples, ideal para iniciantes, que pode ser feito em uma tarde de domingo preguiçosa (foi o que eu fiz, hahahaha).
Uso o toucado em ambientes internos (apresentações em escolas, por exemplo) ou dias de pouco sol.
Fichu
O fichu é um lenço geralmente branco, que podia ter diversos tamanhos e formatos (retangular, triangular, quadrado, levemente ovalado), e que servia para fechar um pouco os decotes, que eram muito profundos no século 18. Com D. Catarina comecei usando um fichu quadrado, dobrado em triângulo, comprido o suficiente para me permitir trança-lo nas costas. Mas, como esse modelo ficou melhor com o kit de criada, troquei por um lenço retangular de laise branco. O decote do caraco nem é tão fundo, mas parece que falta alguma coisa sem o fichu.
Chapéu
O chapéu é um bergère, um tipo de chapéu muito popular no período dessa persona. Ele era normalmente feito de palha trançada e tinha a aba larga (podendo ser redonda ou oval) e uma copa bem baixa, que mal encaixa na cabeça. Os bergères são encontrados na arte do século 18 em diferentes versões: palha crua, palha pintada, forrados por inteiro ou parcialmente, lisos, decorados com flores, etc.
Para D. Catarina, usei um chapéu de palha comum de base, que foi cortado e remodelado com água e aplicação de calor. A aba foi forrada com organza por baixo e por cima e usei como decoração puffs de organza branca e laços em cruz, típicos do século 18. Ele fica preso à cabeça com alfinetes e um laçarote de cetim azul marinho.
Avental
Os aventais de algodão leve e renda são uma daquelas tendências curiosas do século 18, que surgem num momento em que os temas pastorais e campestres estavam em voga. Apesar de seguirem as características de qualquer outro avental, esses modelos eram puramente decorativos, daí sua confecção em tecidos tão delicados.
O avental foi a última adição do kit e foi confeccionado a partir de uma cortina velha de organza sintética em tom bege, com uma leve risca em um tom claro de marrom. A peça foi toda feita à mão, seguindo o tutorial do livro da American Duchess.
Broche
É a única parte do traje onde eu nem me esforcei para fazer um negócio historicamente correto. Eu precisava de alguma coisa para incrementar a decoração do caraco e aí lembrei dos famosos broches de laço usados nos decotes. Fiz um laço em cruz à mão, com a técnica da época, mas todo o resto foi na base da cola quente mesmo – inclusive aquele camafeu azul que não tem nada a ver com a época, mas que ficou bonito e eu resolvi usar assim mesmo!
Mais algumas fotos mostrando outros ângulos do traje completo: