A Modista do Desterro – Pauline Kisner

Plus Size & Moda Vitoriana: uma boa combinação?

Essa semana li uma postagem fantástica do blog The Pragmatic Costumer, cuja autora gentilmente permitiu que fosse traduzido e reproduzido aqui. O tema é uma dúvida frequente entre as meninas: moda vitoriana para plus size é uma boa ideia?

Repitam com a Tia Modista: beleza é estado de espírito, não pode ser reduzida a meros quilos ou centímetros

victorian plus size
Grupo de irmãs, c. 1900

Uma aluna me perguntou ontem sobre minha obsessão com trajes vitorianos. Expliquei a ela o básico, as variações de cada período, as várias delícias de tecidos e silhuetas, e sobre os eventos a que se pode comparecer para mostrar suas criações ou aquisições. Ela parecia sinceramente interessada e expressou sua paixão crescente por esses trajes. “Mas”, disse ela, “só pessoas magras podem realmente usar essas coisas”.

casal vitoriano 1880 plus size victorian
Um clássico casal vitoriano, c. 1880

Primeiramente, eu fui pega de surpresa, mas posso entender de onde vem o ceticismo dela sobre as roupas vitorianas. Graças a uma série de mitos e à mídia, nós associamos a Era Vitoriana com uma coisa em especial: cinturinhas de vespa. Quando você diz “vitoriano” para alguém, eles vêem saias enormes e corsets que vão matá-la apenas de encostar em um. É como uma dessas histórias de horror de acampamento, só que ao invés de uma cobra gigante se contorcendo em torno da donzela em perigo, temos a imagem de um corset infernal espremendo a vida da pobre garota:

corset vitoriano plus size
“Illustrated Police News”, 25 de junho de 1870

Sendo franca, sim. Os vitorianos eram, em média, mais magros do que somos hoje, mas eles também era mais baixos e menores em proporções. “Em média” é o termo fundamental. Só porque existe uma média não significa que todos se encaixem nela. Ao contrário! A média é composta de múltiplos- fatores (nesse caso, os tamanhos dos vestidos), que são somados e divididos pelo número total de termos. Toda essa medição e a matemática contribuem para uma generalização grosseira da sociedade.

“The Diamond Sisters,” c. 1900-1910

Cinco amigas – Nanette, Sybil, Gabrielle, Mary e Florende. Uma delas, Nanette, estava um pouco atrasada para o ensaio e não foi fotografada. Das demais, a caçula, Sybil, tinha a menor cintura, com cerca de 56cm de cintura (22 polegadas) de corset (é importante saber se a medida foi tirada com ou ser espartilho). Gabrielle e Mary medes 61cm espartilhadas. Florence mede 66cm nas mesmas condições. Agora, a julgar pelas amigas, qual era a cintura de Nanette?

Podemos somar todos os valores: 56+61+61+66= 244 centímetros

Divida agora pelo total de termos, ou seja, pelas quatro moças fotografadas: 244/4=61cm

Então,se fossemos calcular a medida de Nanette pela média das amigas, ela mediria 61cm de espartilho. Mas isso não funciona na vida real. Humanos vêm em todos os tamanhos e formatos – mesmo dentro de uma mesma família – e reduzir as expectativas a uma “média” é injusto com todo mundo. Mesmo nesse cenário em particular, o único fator limitante é que Sybil tinha a menor cintura quando de corset. Talvez Nanette fosse ainda menor que ela, ou maior que Florence…nós nunca saberemos. Humanos não seguem médias, especialmente quando se trata de medidas corporais (é por isso que peças de tamanho único nunca caem bem em ninguém). O manequim é determinado por tanta coisas como roupa de baixo, alimentação, genéticas e até condições de saúde como distúrbios da tireóide. Não são coisas novas, da vida moderna. Mesmo sem serem reconhecidos, esses fatores criaram a variedade na sociedade. Na Era Vitoriana inclusive.

Corset produzido pela Maison Léoty, c. 1891.

Mas e aqueles espartilhos aterrorizantes? Não estavam todas as mulheres se espremendo para ter cinturinhas de 38cm? Primeiramente, você não deve comprar um corset para se espremer até um tamanho “adequado”. A função do corset se divide entre suporte e formato. O objetivo é moldar o corpo para obter proporções adequadas e não um tamanho dito correto.  Essa distinção é fundamental para compreender a estética vitoriana. Mesmo a mais magra das modelos vai parecer estranhamente fora de ordem em qualquer estilo vitoriano se as proporções não estiveremcorretas. A moda vitoriana – com seus corsets, crinolinas, anquinhas, mangas presunto e a silhueta S do fim do século XIX – tinha um objetivo principal: fazer com que a cintura parecesse o mais fina possível, não importando o tamanho real dela.

Croqui de Charles Frederick Worth, c. 1870.
O decote largo e caído, as mangas bufantes e a saia enorme constrastam com uma cintura cuidadosamente ajustada, mas sem nenhum adorno, para fazê-la parecer ainda menor.

Como as roupas não eram compradas completamente prontas até o século XX, costureiras e estilistas podiam misturar e combinar elementos que caíssem melhor nas proporções de cada indivíduo. A circunferência da sua cintura, busto, quadril ou coxas era importante apenas para fazer com que o vestido caísse em você da melhor forma e proporção possíveis! Havia alguma belas e gordinhas mulheres naqueles tempos, todas lindas em seus trajes vitorianos e eduardianos. Aqui vai uma pequena amostra:

Elas parecem tão vitorianas quanto qualquer outra mulher da época. Usavam os mesmos estilos que todas as outras com pequenas alterações para equilibrar as proporções: muitas estão usando blusas bastante ajustadas com um mínimo de detalhes, mais as saias pesadas do período, que aproveitam os volumes traseiros naturais. Mesmo as moças mais rechonchudas pareciam ter cinturas pequenas graças aos corsets, os quais todas, indiferente do manequim, usavam. De fato, uma mulher mais volumosa, com um corpo mais macio, poderia obter uma redução de medidas maior em comparação às mais magras, porque o corset molda melhor os corpos macios. Muitas das garotas das fotos que vimos hoje seriam manequim 44, 46 ou até 48 com seus corsets. Corsets elevam o busto e deslocam a barriga para a região dos quadris, criando uma silhueta de ampulheta muito pronunciada e atraente. A despeito dos corsets, você nota como cada uma daquelas mulheres tinha sua própria forma – algumas bem arredondadas, outras com a cintura muito reduzida. É uma questão de gosto e de conforto. As mesmas regras se aplicam a quem aprecia os trajes vitorianos hoje: faça o que você achar que é o melhor para você!

Propaganda dos “corsets saudáveis”, c. 1896
Apesar de as mulheres em geral usaram corsets, nem todas praticavam o tight-lacing. De fato, o tight-lacing era desencorajado desde os anos 1860 e não era praticada pela maioria. Crianças usavam roupas de suporte (como coletes com barbatanas) e as meninas vestiam seus primeiros corsets por volta dos 11 ou 12 anos. Quando usados de forma adequada, corsets ajudam a diminuir dores nas costas ao melhorar a postura e sustentar seios pesados sem sobrecarregar os ombros como os sutiãs.
Corsets saudáveis como os do anúncio se tornaram populares a partir de 1890. quando os esportes e os exercícios físicos se tornaram passatempos populares.

Contudo, há algo que precisamos ter em mente: nós não somos vitorianos. Somos produtos dos século XX e XIX, não do XIX. Nossas vidas e corpos são diferentes e não é nossa obrigação obedecer a normas que estão 100 anos atrás de nós. Eu mal consigo me imaginar alcançando os 58.5cm de cintura da minha avó em 1955, muito menos a medida ideal de 49cm que havia para as jovens de alta classe em 1895. Houve um tempo em que eu tentei, mas meu corpo está a duas gerações de distância da minha avó, com uma mistura diferente de genes, alimentação e normas culturais.Eu aprecio corsets e cintas tanto para uso ocasional quanto para suporte diário, mas tudo o que uso é muito recente em minha vida. As gerações anteriores eram introduzidas a essas peças modeladores muito antes e usavam com maior frequência, modelando seus corpos desde o começo da adolescência. Essa é uma experiência que muitas de nós não podem e nem querem partilhar” Contudo,a modelagem dos corpos ao longo da História é um assunto pelo qual podemos nos interessar e explorar sem que haja uma pressão social para isso (outra grande mudança em relação a outras era, quando essas peças eram indispensável para qualquer aparição decente em público).

O ponto central de vestir-se com trajes de outra época é expressar algo que está dentro de você. Muitas de nós têm uma síndrome de “nasci na época errada”, então uma crinolina aqui e uma bota de botões ali nos deixam loucas. O tamanho não importa se você é um pintor, um entalhador de madeira, um perfumista, um tricoteiro ou qualquer outro tipo de artesão. Porque o tamanho deveria importar nesse hobby? É uma arte como qualquer outra – e uma especialmente divertida! Claro que as medidas importam quando se trata de traçar moldes, mas são as roupas que devem se ajustar ao corpo e não o contrário.

Então, se você é uma grande mulher, com grandes aspirações, não pense que você precisa se espremer só porque você não se encaixa no estereótipo de uma era. Estamos em 2019!

NOTAS DA TRADUTORA:

Esse texto é simplesmente FENOMENAL. Além de quebrar alguns mitos sobre corpo feminino na Era Vitoriana, ele nos ajuda a perceber que não podemos olhar para o passado tendo os nosso próprios padrões de beleza como referência.

A moda vitoriana é sobre ilusões de óptica e modelagem sob medida. Para nós que somos plus size, o corset é um excelente aliado, que redistribui os volumes do tronco para garantir um caimento perfeito na roupa. Você pode ler aqui sobre todas as vantagens de um corset para levar seu traje de época a outro nível.

Agora vá pegar aquela crinolina enorme, uma saia de babados e ser feliz!

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