A Modista do Desterro – Pauline Kisner

Testando maquiagem vitoriana: pó-de-arroz (1871)

Quem me segue lá no instagram já viu que ando fazendo alguns experimentos com maquiagem vitoriana. Mas COMO ASSIM as mulheres usavam maquiagem naquela época? Senta que lá vem história (trocadilho intencional).

Maquiagem vitoriana: entre o tabu e a realidade

Via de regra, a Era Vitoriana não curtia muito maquiagem. Para a sensibilidade estética da época, que rejeitava a maquiagem do século 18 como algo “afetado”, qualquer truque usado pela mulher para se embelezar muito era suspeito. A maquiagem, em especial, era um tabu: ela estava reservada às atrizes, dançarinas e prostitutas (quase sinônimo na época). Em livros e crônicas da época, as mulheres, em especial mais velhas, eram duramente criticadas e até ridicularizadas por tentar disfarçar a idade e imperfeições da pele com maquiagem. Mas isso não impedia que os manuais de beleza trouxessem o equivalente dos tutoriais modernos e várias receitas de maquiagem caseira!

De uma forma geral, os manuais exaltavam a “beleza natural” e como ela podia ser cultivada através de uma alimentação regulada e bons hábitos, que podiam incluir uma rotina de cuidados com a pele (limpeza, hidratação e tonificação não são tão modernos assim), caminhadas ao ar livre e só um pouquinho de maquiagem. Mas bem pouquinho.

Usar maquiagem permaneceu um tabu até os anos 1910s, quando lojas de departamento como a Selfridge’s começaram a expor esses produtos em balcões especializados. Até então, o simples ato de comprar maquiagem era um problema: os produtos ficavam escondidos e pedir por eles já era algo que causava uma certa vergonha. Talvez por isso os livros de cosmetologia da época trouxessem receitas que podiam ser feitas em casa, com ingredientes caseiros ou que eram encontrados com facilidade e não levantavam suspeitas… Eu sei que é quase uma lei silenciosa dentro da recriação histórica que as mulheres não usavam maquiagem antes de 1920, mas os livros nos ajudam a questionar se essa regra era real – ou se já havia na Era Vitoriana um conceito de “natural look” parecido com o que temos hoje, de uma maquiagem que não parece maquiagem.

Sem contar um pequeno detalhe: a maquiagem vitoriana caseira era infinitamente mais segura que a industrial. As grandes marcas vendiam pós e cremes faciais à base de ingredientes conhecidamente tóxicos, como chumbo, arsênico, cicuta, bismuto e outras coisinhas super agradáveis.

teste maquiagem vitoriana
Isso é o anúncio dos anos 1880 de uma loção facial à base de… arsênico! Aliás, a gente já falou bastante sobre o uso do arsênico no século 19 aqui nesse link.

O que é um pó-de-arroz?

Um dos poucos produtos considerado respeitável dentro da maquiagem vitoriana era o pó-de-arroz, que, apesar do nome, podia ser feito com diferentes bases: além da farinha de arroz extremamente fina, amido de milho (maisena), farinha de trigo, talco e até giz (aquele mesmo de quadro negro!) podiam ser usados como ingrediente principal.

Dependendo do que fosse adicionado, o pó-de-arroz funcionava como um pó translúcido moderno: segurando a oleosidade da pele, sem adicionar cor. Mas também era possível obter pós coloridos, adequados para diferentes tipos de pele. Grande parte dos livros recomendam que se adicionasse coisas como canela, cacau e até pó de rosas à mistura para criar variações de cores. Além disso, eles eram perfumados com pétalas de flores ou óleos essenciais. Rosas, lavanda, violeta, jasmim e baunilha eram alguns dos aromas mais valorizados.

Nós estamos acostumados com o formato de pó compacto, mas o pó-de-arroz era aquele pó da penteadeira da vovó: soltinho, aplicado com um pompom ou com uma flanela branca bem macia. Foi só a partir dos anos 1890 que o pó compacto realmente se popularizou.

teste maquiagem vitoriana
Esse é um conjunto original dos anos 1880 e o pompom é feito com plumas de avestruz. Em breve quero ensinar vocês a fazer um desses numa versão ecologicamente correta.

Testando uma receita autêntica de maquiagem vitoriana

Maquiagem histórica não é uma novidade pra mim. Eu já venho pesquisando o tema há algum tempo e cheguei a reproduzir receitas de lip balms da Era Eduardiana e até perfumes do século 18 e 19. Mas um dia desses a inspiração bateu e resolvi reproduzir uma receita de pó-de-arroz. Buscando os livros da época que tenho no computador, encontrei alguma coisa que eu pudesse fazer com os ingredientes que já tinha em casa. A receita veio do livro “The New Cyclopaedia of Domestic Economy, and Practical Housekeeper”, publicado pela primeira vez em 1871 e republicado várias vezes ao longo do século 19. A minha versão é uma cópia de 1883, mas vamos considerar aqui a receita com a data da publicação original 😉

A receita original é para uma base de farinha de trigo misturado com pó de rosas, mas o livro também aconselha o uso de amido de milho para uma versão incolor e mais leve. Optei pela versão incolor.

Como eu fiz?

Comecei peneirando 2 colheres de sopa de amido de milho. Penerei 2x, para deixar mais leve. Essa é uma dica do livro.

Misturei 6 gotas de essência de jasmim daquelas de perfumaria. Fiquei bem surpresa que o pó não virou pasta e nem pegou a cor da essência, que é alaranjada.

Dividi a mistura em 2 partes, para fazer o pó solto e o pó compacto.

teste maquiagem vitoriana
Toda blogueira começando os trabalhos xD

PÓ SOLTO: Coloquei o pó dentro de uma embalagem vazia de pó translúcido da Mary Kay (há!) e deixei uns 2 ou 3 dias fechadinho, num local sem luz, para que o cheirinho do jasmim pegasse bem.

PÓ COMPACTO: Misturei álcool ao amido+essência até obter uma pasta. Coloquei a pasta numa embalagem vazia de pó compacto e fui apertando com uma toalha de papel, para compactar e absorver parte da umidade. Depois deixei o pó aberto em cima do microondas para evaporar o álcool, mas isso não foi uma boa ideia. Na hora ele até ficou bom:

O único problema é que ele secou até rachar e fui obrigada a moer e peneirar o que sobrou e transformar tudo em pó solto mesmo.

E o resultado final?

Resolvi testar o pó num dia em que eu só trabalho à tarde (porque se desse ruim eu não estaria fora de casa por 10h, hahahahaa) e segui a minha rotina normal para a pele:

1- Limpei a pele com leite de colônia (na Era Vitoriana se usava apenas água ou chá de alface para isso)

2- Hidratação (uso o creme Nivea da latinha azul, que é mais parecido que temos hoje com os hidratantes da época)

3 – Primer em bruma da M.A.C. (minha salvação!)

4 – Pó-de-arroz vitoriano (aplicado com um pincel bem gordinho da Macrilan)

E não é que ficou bom?

teste maquiagem vitoriana
teste maquiagem vitoriana

Ele deixou a pele bem matte, mas sem me deixar com cara de fantasma, hahahhahaaaa. E aguentou bem até o início da noite, quando cheguei em casa e gravei os vídeos para o insta. Fiquei tão empolgada com o resultado que estou me lançando um desafio: fazer uma maquiagem vitoriana completa, reproduzindo receitas e técnicas da época – dentro dos limites do que é quimicamente seguro, claro!

Tags:

compartilhe

Posts Relacionados

2 respostas

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *