A “Ordem da Jarreteira” é a mais antiga honraria concedida pela coroa britânica. A lenda de sua criação é no mínimo curiosa: conta-se que a Condessa de Salisbury dançava com o rei Eduardo III quando a liga que prendia uma de suas meias no lugar escorregou e caiu no meio da dança, gerando uma onde de murmúrios na Corte. Enfurecido, o rei teria dito “Envergonhe-se (ou maldito seja, depende da versão) quem vê nisso malícia”, frase que passaria a ser o motto da ordem cujo maior símbolo é justamente uma jarreteira ou liga de perna na cor azul. O que me interessa aqui é precisamente essa peça tão curiosa e tão distante de nós, que contamos com fibras elásticas para manter nossas meias no lugar.
Dessa vez eu não vou me alongar muito sobre a história da peça em si, porque vai sair um artigo super detalhado sobre as jarreteiras lá no blog do Projeto Traje Brasilis; vou me concentrar muito mais na construção delas. Mas basicamente as ligas ou jarreteiras eram fitas usadas para manter as meias no lugar, já que não rolavam as meias elásticas como as conhecemos hoje. Havia jarreteiras para todos os gostos: modelos simples de couro com fivela, fitas de vários materiais (principalmente cetim e veludo), as feitas de tricô e até as versões ricamente bordadas, que são as que chegaram até nós através dos museus.
Graças à literatura e às artes, sabemos que essas peças tinham um carga erótica considerável. Representações de mulheres amarrando suas ligas durante a toilette ou expondo a perna com a liga são constantes. Isso e as frases bordadas só reforçam a erotização da peça. Frases de duplo e até triplo sentido fazendo alusão a “amigo”, “amizade”, “amor” e “olhar” são frequentes, numa linguagem típica dos poemas de amor cortesão que existiam desde os fins da Idade Média. Apesar de serem peças visualmente muito elaboradas, elas não são difíceis de serem feitas e eu optei por fazer as minhas jarreteiras bordadas.
A inspiração das Jarreteiras
Se algumas dessas peças originais do século 18 sobreviveu em Portugal ou mesmo aqui no Brasil, foi impossível de encontrar qualquer rastro dela na internet. Então acabei seguindo a mesma linha do bolso removível tanto em termos de paleta de cores e decoração quanto de inspiração. Assim, fui atrás de referências francesas para os pontos usados no bordado e nos acabamentos. Acabei encontrando uma peça num museu americano com todas as referências que eu precisava: tamanho, materiais e técnicas de construção.
O que eu mais gostei dessa peça foi justamente a construção dela. Ela tem a frente toda bordada (ponto cruz?), mas o verso é forrado com uma fita que parece ser de veludo e a parte da amarração é uma fita de linho. Minha parte favorita? Os pontinhos delicados para juntar frente e costas.
Criando o bordado
Optei por usar um retalho de tricoline lilás como base. Na decoração, segui o mesmo estilo e cores de linha que usei no bolso removível, mas faltava decidir a frase… Depois de descartar a ideia de reproduzir um bordado já existente, fui procurar inspiração na música do Brasil Colônia e achei o que eu precisava em uma canção anônima do final do século 18. Peguei uma frase do refrão, “eu sem ti não posso estar”, traduzi para o latim e pronto: “Nom posssum” de um lado, “Sine Te Esse” do outro 🙂
Com o tecido aberto, risquei o tamanho que eu queria a jarreteira pronta + margem para fazer os acabamentos. Usei aquelas canetas para tecido que somem com o calor do ferro de passar. Risquei também a frase (usei a minha própria letra cursiva, com uns floreios aqui e ali) e os motivos de decoração. Com o tecido bem esticado, fui cobrindo o risco com ponto cadeia.
Depois de bordadas foi só cortar cada uma:
Dobrar as bordas:
Depois que as dobras estavam bem marcadas, fiz pontos em espiral bem pequenos em toda a volta, mas descobri que isso não era o suficiente para estabilizar a peça. Então fiz uma costura de segurança nas dobras, que ficaria escondida sob o arremate da peça finalizada:
Pensei em fazer o arremate com uma fita de veludo, mas não consegui encontrar uma fita de boa qualidade com a cor e largura corretas. Mas eu tinha alguns metros da fita lilás que usei no bolso e ela serviu perfeitamente para arrematar as jarreteiras:
Que ficaram assim depois de prontinhas:
Momento de orgulho com elas amarradinhas:
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