A Modista do Desterro – Pauline Kisner

A Irmandade Pré-Rafaelita

Acho que nunca contei isso por aqui, mas a minha primeira paixão foi a Idade Média. Mas, quando comecei a estudar História Medieval na faculdade, rolou aquele susto da diferença entre a “minha” Idade Média (para constar: isso foi no tempo da internet discada, tá?) e a Idade Média histórica, digamos assim.

Foi quando comecei a estudar de onde vinha a tal idealização e descobri que a Era Vitoriana tinha uma boa parcela de participação nisso. Assim como aconteceu com o Natal, o século XIX foi um dos grandes responsáveis por cristalizar várias imagens que temos da Idade Média e que são apresentadas em livros, filmes, RPGs, quadrinhos e nos eventos medievais Brasil afora. É uma imagem completamente idealizada e resultante dos processos de industrialização e urbanização da Europa no final do século 18 e durante todo o 19. Explico: os seres humanos parecem ter um certa tendência a idealizar uma chamada “Era de Ouro”, um passado distante que representa todos os valores e costumes que teriam se perdido ao longo do tempo; esta “Era de Ouro” é a utopia que se contrapõe aos problemas da atualidade. Normalmente, este passado perdido é apresentado no imaginário de forma totalmente “higienizada”, ou seja, livre dos seus próprios problemas e conflitos.

Cada época cria sua própria “Era de Ouro”. O Renascimento foi buscar inspiração na Grécia e na Roma Antigas, por acreditar que a Antiguidade Clássica tinha valores humanísticos e artísticos que deveriam ser “resgatados”. O Romantismo se voltou para a Idade Média, com profundo impacto na literatura (“Castelo de Otranto”, “Frankenstein” e até mesmo “Northanger Abbey”, que é mais uma sátira à febre dos romances góticos do que qualquer outra coisa), nas artes decorativas (volto a isso em outro momento) e nas artes plásticas. Na literatura, temos desde os romances góticos até um certo resgate de narrativas populares, como as histórias em torno de Carlos Magno e seus cavaleiros, na França; a chamada “matéria da Bretanha”, que envolve as famosas figuras do Rei Arthur, Morgana, Merlim, etc; os contos de fadas tradicionais recolhidos e adaptados pelos Irmãos Grimm; a reabilitação dos povos germânicos, especialmente os vikings, na literatura e na ópera alemãs; a busca pela ancestralidade céltica. Ironicamente, um dos séculos em que mais ocorreram mudanças sociais, políticas e tecnológicas foi o mesmo século que buscou a revalorização de tudo aquilo que era considerado tradicional e ancestral na cultura, criando, inclusive, o conceito de folclore.

Por uma questão de tempo e sanidade, vou me deter apenas nas representações vitorianass sobre a Idade Média, sem entrar no campo nas representações mais modernas, como “Vikings”. Especificamente, hoje falamos sobre a Irmandade Pré-Rafaelita, que inclusive serviu de base para os trajes que estamos montando para a tenda na festa. Abaixo segue um artigo traduzido do Museu Metropolitano de Nova York, com algumas notas e considerações dessa vossa blogueira:

A Irmandade Pré-Rafaelita

Em 1848, enquanto as revoluções varriam a Europa continental e um movimento por reformas sociais, conhecido como Cartismo, agitava a Grã-Bretanha, sete jovens artistas rebeldes de Londres formaram uma sociedade secreta com o objetivo de criar uma nova arte britânica. Eles se auto-denominavam “Irmandade Pré-Rafaelita”, e o nome, cuja origem precisa é discutida, denuncia sua fonte de inspiração. Desencantados com a arte academicista contemporânea – muitos deles eram colegas na Real Academia de Arte e notórios críticos do presidente fundador da Academia, Sir Joshua Reynolds (1723-1792) – os Pré-Rafaelitas emulavam a arte da Baixa Idade Média (século 11-século 15) e do início do Renascimento Europeu até a época de Rafael Sanzio, uma arte caracterizada pela minúcia de detalhes, uma paleta de cores luminosas que evocava a têmpera usada pelos artistas medievais, e temas de natureza nobre, religiosa ou moralizante. Em uma época marcada por levantes políticos, industrialização massiva e problemas sociais, os Pré-Rafaelitas lutavam para transmitir uma mensagem de renovação artísticas e reforma moral ao imbuir sua arte de seriedade e sinceridade.

Na exposição de 1849 da Academia Real de Londres, uma série de quadros foram exibidos assinados com as iniciais “P.R.B”, ao lado da assinatura dos próprios artistas; entres estes estavam:

“Rienzi jurando fazer justiça”, por William Holman Hunt, 1849. Coleção Particular.
“Isabella”, por John Everett Millais, 1848. Galeria Walker, Londres.
“A Infância da Virgem Maria”, Dante Gabriel Rossetti, 1848-9. Galeria Tate, ref: N04872.

Estas telas, embora com temas diversos, encarnavam os ideais da Irmandade: observação atenta do mundo natural e representação de temas que levassem o observador a contemplar questões de justiça, piedade, relações familiares e a luta da pureza contra a corrupção (…)

Os trabalhos dos Pré-Rafaelitas receberam duras críticas ao seu pietismo, composições arcaicas, representações planas (N.T.: devido à ausência de sombreamento e imitando o estilo de pintura do começo do século 15) e pelas cores muito fortes obtidas pela pintura em fundo branco. Eles tinham contudo, vários defensores. Destaca-se o escritor e crítico de arte John Ruskin (1819-1900), um apoiador ardoroso da pintura de cenários naturais e um dos expoentes do “Revivalismo Gótico” na Inglaterra. Ruskin admirava particularmente as inovações significativas que os Pré-Rafaelitas traziam à pintura de paisagem: sua dedicação em trabalhar ao ar livre, correção na representação botânica e os detalhes minuciosos. Embora inicialmente ele não apoiasse os objetos da Irmandade, mais tarde escreveu “possam eles, ao ganhar experiência, lançar em nossa Inglaterra as bases de uma escola de arte mais nobre do que o mundo tenha visto em 300 anos.” A experiência, de fato, serviu menos para unificar a Irmandade e promover seus ideais fundantes do que para promover os estilos e identidade individuais. No começo da década de 1850, a Irmandade se dissolveu, embora vários artistas tenham permanecido próximos, como artistas e colaboradores, pelo resto de suas carreiras. Em 1854, Hunt partiu em uma jornada pelo Oriente Próximo, onde ele expandiu seus horizontes artísticos enquanto mantinha o estilo pré-rafaelita em produções com temática cristã:

“O Bode Expiatório”, William Hunt, 1853. Galeria de Arte Lady Lever.

Em 1853, Edward Burne-Jones (1833-1898) e William Morris (1834–1896) — dois calouros de Exeter, em Oxford— iniciaram uma amizade alicerçada em interesses comuns: teologia, arte e literatura medieval. Dois anos mais tarde, eles decidiram seguir carreira nas artes: apadrinhados por Rossetti, que haviam conhecido em Oxford em 1856, eles se tornaram a segunda geração Pré-Rafaelita. Enquanto Rosseti e Burne-Jones mantinham a paleta saturada e o detalhamento exaustivo da primeira geração, o foco dos seus trabalhos mudou. Com temas emprestados da poesia e da mitologia medieval – como as histórias do Rei Arthur e “A Divina Comédia”, de Dante Alighieri — eles introduziram a estética da “beleza pela própria beleza”, e escritores como Oscar Wilde e Walter Pater popularizaram o Esteticismo nos anos 1860.

“Lady Lilith”, Dante Gabriel Rossetti, 1867. Museu Metropolitano de NY.
“Chant D’Amour”, Edward Burne-Jones, 1868-77. Museu Metropolitano de NY.

À medida em que seus trabalhos que tornavam mais decorativos, os Pré-Rafaelitas inclinavam-se mais e mais à artes decorativas. Em 1861, Burne-Jones e Rossetti juntaram-se à firma Morris & Co, produzindo murais, vitrais, mobília, tecidos, jóias e papéis de parede com motivos botânicos. A empresa se propunha a ser uma resposta à separação entre as belas artes e as artes aplicadas, causada pela Revolução Industrial e produção em massa, ao reviver práticas artesanais das oficinas da Europa Medieval, consideradas um ideal de espiritualidade e integridade artística. Na metade dos anos 1880, os pré-rafaelitas acabaram absorvidos pelo Movimento de Artes e Ofícios (Arts & Crafts), que se espalhou pelas Ilhas Britânicas.

“A Roda da Fortuna”, Edward Burne-Jones, 1883. Museu D’Orsay.

Outras obras clássicas da Irmandade Pré-Rafaelita

“Ofélia” (John Everett Millais, 1851). Galeria Tate.
“A Dama de Shalott” (John William Waterhouse, 1888) 
“A Sagração” (Edmun Blair-Leighton, 1901)
“Alain Chartier” (Edmund Blair-Leighton 1903)

Referência

Meagher, Jennifer. “The Pre-Raphaelites.” In Heilbrunn Timeline of Art History. New York: The Metropolitan Museum of Art, 2000–.

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