Nas minhas andanças pela internet, descobri que alguns objetos e trajes da Família Imperial, inclusive da Imperatriz Teresa Cristina, foram belamente preservados no Museu Imperial de Petrópolis (Rio de Janeiro). Muitas vezes, no mar de referências do Pinterest e dos blogs gringos, parece que nada do Brasil Império chegou aos nossos dias. Comparamos com o que se acha de outros países e grandes museus e acabamos tendo uma impressão muito equivocada. O Brasil tem sim um imenso arquivo do Império e também da Colônia, o problema é que ele ainda é pouco conhecido ou divulgado para o público! Uma das iniciativas que tenta reverter isso é o Projeto de Digitalização do Acervo do Museu Imperial (DAMI).
O projeto DAMI acontece por etapas e tem colocado uma série de documentos textuais e fotografias de diversos objetos online, para consulta gratuita. Você pode efetuar a busca por palavras-chave, categoria e coleção e cada objeto é acompanhado por uma ficha catalográfica com as informações mais importantes e fotos, muitas fotos.
Para acessar o site do projeto DAMI, clique aqui.
Você também pode acompanhar o projeto através do Facebook e do Twitter.
Enquanto percorria os itens agrupados na categoria OBJETOS PESSOAIS, acabei me deparando com duas peças de indumentária que eu realmente não esperava encontrar. Lá, entre broches e brincos pertencentes a várias figuras femininas do Brasil Império, estava o traje de gala de S.M. Imperatriz Teresa Cristina.
O traje em questão me parece ser esse retratado pelo pintor Victor Meirelles em 1864, com as devidas licenças poéticas do artista em relação a tons e materiais:
O que eu acho mais curioso desse quadro é o fato de que esse traje da imperatriz parece muito mais com um conjunto da década de 1850 do que com algo usado nos anos 1860. Fora as linhas do corpete (que são idênticas às dessa peça original de 1860 do acervo pessoal da Jennifer Rosbrugh, do Historical Sewing), o tamanho da saia parece apontar para isso, já que foi na metade dessa década que as crinolinas atingiram sua circunferência máxima. Teria sido esse traje feito antes? É bem possível.
O TRAJE
Sendo um traje de gala, o conjunto é composto por duas peças + cauda. Clique nas fotos para aumentar. Os respectivos links em cada museu citado estão nas legendas das imagens.
1. Corpete de decote baixo
De acordo com as informações do Museu, o corpete da imperatriz é feito em tafetá com organdi, sendo este provavelmente o tecido de forro, e aplicação de renda. Essa renda é um caso à parte e preciso encontrar alguma coisa parecida com ela imediatamente.
Não há uma foto do interior da peça no acervo digital, o que seria muito útil, mas é provável que em cada costura desse corpete haja uma barbatana para dar suporte à peça. O fechamento é traseiro, como é padrão da metade do XIX, com um cordão de soutache. As casas para passar o cordão são caseadas à mão e, apesar de a foto mostrar um fechamento cruzado, o método mais empregado para fechar esse tipo de corpete era o spiral lacing, como o que aparece nessa peça contemporânea do acervo do Kent State Museum:
A parte que eu mais gosto do corpete é o acabamento delicado com aplicação de duas linhas finas de soutache como debrum. No traje, esse detalhe ajudaria a destacar o corpete e enfatizaria uma cintura fina, a partir da ilusão de óptica criada com a saia, sustentada por uma crinolina.
“The Cut of Women’s Clothes” traz um molde que exemplifica como era feita a construção da base desse tipo de corpete:
2. Saia
O museu informa que a peça também é confeccionada em tafetá, mas não dá informações específicas sobre o bordado; apenas informa que há renda na saia. Eu precisaria ver a peça de perto, mas estou apostando num bordado com fios metalizados nesses ramos de café e estrelas.
O que eu mais gosto na saia são as pregas largas e fundas, em lugar de pregas estreitas ou do franzido cartridge, como se vê em peças contemporâneas americanas ou inglesas. Observando a parte de trás da saia, que é mais comprida, dá para imaginar que o traje real – não a representação dele no quadro – fosse usado com uma bela crinolina elíptica como a da foto abaixo:
3. Cauda
Pelo quadro, a cauda parece ser feita de veludo (que no século XIX podia ser fabricado com fibras de seda!), com bordados a ouro. Lembra o manto de Grão-Mestre da Ordem Imperial do Cruzeiro, que integra o traje majestático de D. Pedro II:
A cauda que acompanha o vestido no quadro, no entanto, não está no acervo digital do Museu. Para ser sincera, não sei se sobreviveu até nossos dias.
O traje da Imperatriz é apenas uma das peças fantásticas que compõem esse acervo digital, que ainda não alcança nem 5% do total do acervo da instituição. Além de vários objetos de uso pessoal, há peças de decoração, documentos textuais, objetos cerimoniais, cartografia, insígnias, catálogos, objetos de transporte… É um acervo riquíssimo e uma iniciativa louvável, que merece ser divulgada. Não deixe de visitar a página do DAMI e de compartilhar o link nas redes sociais – quem sabe um dia tenhamos no Brasil um acervo museológico digitalizado tão grande quanto o do próprio MetMuseum?
Uma resposta
Boa tarde! Sou Guia de Turismo e apaixonada por tudo que se relaciona ao Império. Resido em Petrópolis há 67 anos.