Manuais de etiqueta são leitura obrigatória para escritores e reenactors. Além de nos fornecer informações sobre comportamentos socialmente aceitos, hierarquias e higiene, esse tipo de literatura é importantíssima para nos ajudar a entender a imagem que uma determinada sociedade fazia de si mesma e o conceito de civilidade que ela construía.
Desde o século 16, os tratados de civilidade circulavam nas cortes europeias como verdadeiros manuais de formação destinados ao cortesão – o nobre, dono de terras e de títulos, que passava parte do seu ano na Corte, um palácio ou castelo onde o rei vivia e que passava a ser o centro da vida em sociedade. Pense no Palácio de Versalhes, como é retratado no filme “Maria Antonieta” e você terá uma ideia de como se organizava uma corte. A partir do século 18, a França se torna o epicentro não apenas da moda, mas da etiqueta. O Palácio de Versalhes era um modelo da vida na Corte, luxuosa, cheia de ritos e hierarquias, determinada por uma série de complexas regras que apenas o nobre podia dominar com perfeição.
Em Portugal, porém, esta tradição literária de civilidade não foi muito fértil. O primeiro grande tratado do gênero, “Escola de política, ou tractado pratico da civilidade portuguesa”, foi publicado apenas em 1786. Dois anos depois, seria publicado o primeiro bestseller de civilidade: “Elementos da Civilidade, e da Decencia, para instrucçaõ da mocidade de ambos os sexos“, tradução de um tratado francês, estreou em 1788 e foi reimpresso nos anos de 1801 e 1824.
Etiqueta e divisão da sociedade
Antes de iniciar a leitura do manual, precisamos nos deter um pouco sobre a organização da sociedade europeia no século XVIII.
Nas chamadas sociedade de Antigo Regime (anteriores às mudanças promovidas pela Revolução Francesa), inexistia qualquer noção de igualdade social ou de direitos entre os vários grupos que compunham a sociedade. De fato, tínhamos uma noção completamente oposta. Partia-se do princípio que havia pessoas de diferentes qualidades (expressões da época) e que a cada qualidade de pessoa cabiam privilégios e obrigações.
De modo grosseiro, a sociedade estava dividida entre a nobreza e o povo. Ao longo do século XVIII, com o fortalecimento da burguesia mercantil e a aproximação do rei com os burgueses mais ricos, começa a surgir uma divisão dentro do povo, entre aqueles que tinham riqueza mesmo sem propriedade de terra (um título de nobreza sempre equivalia a uma propriedade de terra) e aqueles que não tinham uma coisa nem outra. Essa divisão social curiosa e desigual não foi criação do século XVIII; ela se baseava em costumes medievais. Clique aqui para ler um outro artigo específico sobre este assunto.
Nesse cenário, as complexas regras de etiqueta, que incluíam as questões de indumentária, serviam como um elemento muito importante para formar a identidade da nobreza. Para ser considerado nobre, (“fidalgo”, no Império Português), não bastava a obrigatória propriedade da terra e a ostentação de um título concedido pelo rei. Aquela era uma sociedade de aparências: era preciso parecer nobre para ser reconhecido como um. E quanto mais este nobre se diferenciasse de outros grupos sociais pelo refinamento de seus hábitos e pelo luxo de sua indumentária, mais ele seria reconhecido como tal. Ao suprimir completamente a espontaneidade dos gestos, a etiqueta cumpria o papel de disciplinar os corpos e transformar a vida na Corte em um grande teatro.
Lendo os tratados
Ambos os volumes são cópias digitais de originais. Isso significa que não só a grafia, mas eventuais marcas de manuseio foram registradas pelos scanners.
Elementos da Civilidade… (1788-1801) – Ler um documento do século 18 requer uma boa dose de paciência, principalmente para um leitor principiante. Não só as diferenças de grafia são grandes (acentos, letras dobradas, separação de sílabas, terminações verbais, posicionamento dos pronomes), mas as frases também tendem a ser mais longas e a pontuação parece meio aleatória em relação à convenção atual da Língua Portuguesa. Além disso, temos o problema da letra “s” minúscula:
À exceção da convenção da letra “s”, todas as demais observações se aplicam também aos documentos do século 19 É preciso desculpar, além disso, que certas passagens estejam ilegíveis, seja pela ação do tempo, seja pelo processo de escaneamento.
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