A Era Vitoriana povoa nosso imaginário graças às produções de época e à literatura. Filmes e séries ambientados na Era Vitoriana têm lugar cativo no coração de muita gente que se encanta com esse mundo tão diferente, com suas complicadas regras de etiqueta, salões de baile à luz de vela – e, claro, as roupas. Parece haver um certo consenso que tudo que tenha rendas, babados, um camafeu, espartilho e/ou cartola é “meio vitoriano”, mas isso é só uma visão bem restrita da época. A Era Vitoriana foi um período de grandes transformações que criaram as bases do mundo em que nós vivemos, em termos sociais e até tecnológicos, e nesse artigo você vai descobrir o que é exatamente essa tal de “Era Vitoriana”.
Uma era de contrastes
A expressão “Era Vitoriana” se refere ao longo reinado da Rainha Vitória I da Inglaterra (essa beldade rechonchuda aí do lado) e corresponde ao período entre a coroação dela em 1837 e sua morte em 1901. A Era Vitoriana não foi um bloco cultural homogêneo, muito pelo contrário; esse período da História é marcado por mudanças em diferentes aspectos da vida. E esse cenário variava entre os diferentes países e dentro dos próprios países. Quando falamos de Era Vitoriana, estamos nos referindo à Inglaterra e às influências culturais dela em outros territórios, nos costumes, na música, na moda, na política… Mas, de uma certa maneira, Era Vitoriana acaba sendo quase um sinônimo para se referir ao século 19.
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Esse período é marcado, principalmente, pelo desenvolvimento industrial. Retomando as aulas de História: a Revolução Industrial começa na Inglaterra ainda no século 18 (por volta de 1750) e se expandir para o restante da Europa e Estados Unidos a partir da segunda metade do século 19 O que isso significava? Que havia um grande número de fábricas, produzindo mercadoria em grande quantidade e por um preço muito menor em relação a épocas anteriores, quando tudo era produzido artesanalmente. Significava também o surgimento de um grupo de pessoas que enriqueciam com esse processo, mas não vinham de famílias nobres proprietárias de terras: essa classe social é a burguesia. De um lado, os burgueses e as famílias nobres eram ricos e levavam uma vida confortável, com acesso a todos aqueles luxos que nós secretamente cobiçamos (porcelanas, cortinas de seda, almofadas de veludo, grandes camas com lençóis de linha, vinhos, bailes, jóias); de outro lado, a maioria da população vivia muito distante disso, em condições miseráveis decorrentes, em grande parte, dos baixos salários e das condições de trabalho precárias. Era um mundo de desigualdade muito maior do que podemos imaginar. A Era Vitoriana não era feita só de belezas, mas também não podemos tirar seu méritos.
Os progressos da Era Vitoriana
Durante o século 19, o desenvolvimento científico foi muito significativo. Havia uma esperança generalizada de que o progresso da ciência equivalia ao progresso da própria sociedade, que as novas descobertas ajudariam a melhorar o mundo. Não foi bem assim, mas temos descobertas e invenções muito importantes nesse período.
A própria máquina a vapor (inventada ainda no século 18) permitiu não só o desenvolvimento das fábricas, mas também dos trens, ajudando a encurtar as distâncias e facilitando o transporte de pessoas e mercadorias. Também foram criados o telégrafo (1837) e o telefone (c. 1860), que permitiram a transmissão de informação à distância em tempo real pela primeira vez. Isso sem falar na lâmpada (1879) e a na popularização dos primeiros fogões a gás (c. 1840) , além dos automóveis (1885), das máquinas fotográficas (1826-1840s) e dos protótipos do rádio.
Os cientistas se ocupavam também de observar a natureza e seu funcionamento: temos Darwin formulando a teoria da Evolução das Espécies em 1859, o início do desenvolvimento de ciências como a Arqueologia e a Paleontologia e grandes avanços no campo da Química e da Farmácia, como os primeiros anestésicos seguros (1850). Mas não era só isso: os cientistas também estavam interessados em entender como a sociedade funcionava. A origem da desigualdade social se torna um objeto de estudo e começam a surgir pensadores que questionam a organização da sociedade e a distribuição de riquezas,propondo formas alternativas. Isso deu origem a correntes de pensamento como o Socialismo e o Anarquismo, por exemplo.
A moda na era vitoriana
Falar de moda na Era Vitoriana significa lidar com uma série de mitos que foram criados pelo cinema e pela literatura (e mais recentemente por alguns blogs sensacionalistas por aí). Grande parte deles dizem respeito aos temidos espartilhos/corsets e às armações de saias que, supostamente, mataram milhares de mulheres.
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Falar sobre moda vitoriana é também falar sobre a condição feminina. Ao contrário do que filmes, livros e séries gostam de retratar, a mulher da Era Vitoriana não era dona de si mesma. Em outras épocas, a função da mulher era gerar herdeiros saudáveis; as mulheres ricas tinham dois destinos: casamento ou convento. Durante a Era Vitoriana, esse papel da mulher é reafirmado, mas a isso são somadas as “virtudes femininas”: delicadeza, modéstia, beleza, graça e sensibilidade.
Nas camadas mais ricas da população, a mulher era uma espécie de vitrine do lar. Esperava-se que a mulher estivesse sempre à altura da riqueza do marido, vestindo-se com as últimas modas, conhecendo as últimas músicas para piano, oferecendo e participando de eventos sociais variados. E isso era tudo. Não se cogitava a ideia de que uma mulher respeitável participasse da vida política e econômica – apesar de a Rainha Vitória estar lá, bem coroada.
As mulheres que tinham um pouco mais de liberdade eram as não tão ricas, mas essa liberdade era relativa. As mulheres pobres trabalhavam fora não por escolha, mas por necessidade, e muitas vezes em ambientes mistos, o que era suficiente para que o discurso moralista das classes mais altas considerasse os mais pobres como pessoas de moral fácil e vícios dos mais variados. Havia mulheres transgressoras e à frente da sua época? Claro que sim. Mas muitas delas foram jogadas no esquecimento, tiveram seus feitos (científicos, inclusive) atribuídos a homens e várias que se negavam aos papeis femininos tradicionais eram consideradas loucas – e trancadas nos hospitais psiquiátricos.
E onde fica o espartilho nessa história toda?Uma das medidas de beleza da mulher era a sua cintura, que se tornava tanto mais fina quanto mais duradouro fosse o uso dos espartilhos e maiores fossem as armações usadas nas saias. Não é difícil perceber que um traje como da Princesa de Broglie aí em cima era pensado para separar visualmente a mulher rica das mulheres que precisavam trabalhar em casa ou até mesmo fora. Por isso dizemos que moda da Era Vitoriana vai reforçar não só a diferença entre os gêneros (as roupas femininas eram volumosas, coloridas e enfeitadas, enquanto as masculinas se tornavam cada vez mais sóbrias e discretas), mas também entre as classes sociais.
MAS A MODA DA ERA VITORIANA NÃO ERA TODA UMA COISA SÓ…
Só para ajudar na hora de nos localizarmos, é comum dividir a moda do período vitoriano em três fases distintas:
1. Early Victorian / Vitoriano Inicial (1837-1850)
2. Vitoriano Médio / Era das Crinolinas (1850-1860)
3. Era das Anquinhas (1869-1890)
4. Vitoriano Tardio (anos 1890)
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E o Brasil na Era Vitoriana?
A Era Vitoriana corresponde ao nosso Segundo Reinado, o período em que Dom Pedro II foi o imperador do Brasil (1841-1889)
O Brasil não vai ter um desenvolvimento industrial nesse período, mas nossa desigualdade social vem de um outro fator: a escravidão. O Império tinha uma vasta população negra e mestiça, formada por escravos e libertos, que era numericamente superior à população branca e, ainda assim, muito mais pobre e excluída dos processos políticos da nação.
A referência para a população abastada ou não-pobre era essencialmente europeia. Nas lojas do Rio de Janeiro e de outros centros, vendiam-se vários produtos importados da Inglaterra ou da França. As costureiras eram francesas, assim como os perfumeiros e cabeleireiros de senhoras. Alfaiates e barbeiros eram treinados para trabalhar à moda inglesa. Cortinas, móveis, sapatos, louças, partituras…tudo trazia um referencial à Europa, considerada o centro da civilização ocidental, um modelo de desenvolvimento e progresso a ser imitado por todos os outros países.