A Modista do Desterro – Pauline Kisner

Crinolina vitoriana: que materiais usar?

Depois que a Eneida do canal Poética dos Museus fez um jabá básico do blog e do canal, pipocaram novos seguidores e inscritos em todas as minhas redes. E uma das coisas que a galera mais tem me perguntado é sobre os materiais que uso para fazer minhas crinolinas. Então hoje a gente vai conversar um pouco sobre possibilidades de materiais e onde consegui-los.

Mas, antes disso… Se você ainda não está inscrito no canal no Youtube, agora é uma boa hora para fazer isso. É só clicar aqui 😉

Anágua Crinolina x Crinolina Gaiola

A crinolina é uma armação típica do período 1855-1869, quando teve dois formatos distintos (circular e elíptica). A estrutura básica dela consistia em aros de aço concêntricos, que ficavam no formato correto através de duas maneiras diferentes.

Havia a anágua crinolina/saia de aros, que era uma saia de tecido beeem firme, com canaletas onde os fios de aço eram passados:

Crinolina do tipo “saia de aros”.

E havia o modelo gaiola/cage, em que os aros eram encapados e unidos por uma série de tiras de tecido:

As diferenças entre elas vão além do visual. Tendo experimentado crinolinas feitas com os dois métodos, tenho um pouquinho de experiência para falar sobre isso, rsrsrsrs. Particularmente, eu prefiro o modelo gaiola/cage. Além de ser mais leve e melhor para guardar, ele tem um movimento mais elegante para dançar e caminhar, além de deixar um arzinho circular debaixo das saias… 

Um dos principais problemas que eu encontrei para fazer a saia de aros/anágua crinolina foi a questão dos aros. Os aros de aço da época eram bem mais fininhos que os materiais disponíveis hoje em dia. Os aros atuais são mais grossos e requerem mais tensão para ficar no lugar. Então, dependendo do tecido que for usado, ele não dá conta de segurar os aros e a crinolina vai ficando meio torta com o passar do tempo. Pela minha experiência, é mais fácil manter o formato e fazer manutenção no modelo gaiola.

A história de uma crinolina

A primeira vez que me aventurei com uma crinolina foi em 2011. Foi o ano em que eu descobri as crinolinas de noiva fabricadas na China e comprei uma de 3 aros em promoção. Quando ela chegou eu descobri que não só os 3 aros eram insuficientes para segurar o peso da saia, mas que também eram muito pequenos para uma saia 1850s. Essa foi a silhueta que eu consegui na época:

Os anos passaram e eu ainda amo esse vestido, apesar de todos os problemas.

 Em 2014 eu resolvi que era hora de tentar de novo. Então encomendei uma crinolina chinesa de 6 aros, a maior que tinha na loja, crente que eu não precisaria mexer um só ponto nela… Iludida que diz, né? Os aros eram realmente enormes, mas a cintura era longa demais para uma silhueta vitoriana. Pra vocês terem uma ideia: pra conseguir usar essa crinolina com o cosplay da T.A.R.D.I.S., precisei cortar quase 20cm de comprimento na cintura!

O tecido de que essas crinolinas são feitas é inferior ao pior tecido sintético de fantasia que você puder imaginar. Ele não aguentou ficar contido dentro da minha mala de viagem (que é gigante!) e estourou numa viagem curtíssima, que é São Paulo-Floripa. Aí desmontei ela todinha para reaproveitar os aros e resolvi fazer um modelo gaiola. Só em 2017 que eu consegui deixar a crinolina com as proporções corretas, o que nos leva ao próximo tópico dessa discussão.

As proporções corretas

Ao contrário do que Hollywood e meia dúzia de fotografias satíricas nos fizeram acreditar, não, as crinolinas não eram um negócio imenso. Já falei sobre isso num outro artigo, que você pode ler clicando aqui. Elas eram bem menores do que a gente imagina e eram absolutamente proporcionais às medidas da mulher (altura, cintura) e ao tipo de vestido (traje doméstico, passeio, baile, Traje de Corte). Agora, alcançar essa proporção é um desafio. Depois de quebrar muito a cabeça com cálculos mirabolantes que deram muito errado…

Olha a diferença de proporção ABSURDA entre as duas crinolinas.

…acabei me rendendo a um molde pronto. Optei pelo molde digital da Truly Victorian, que é uma marca de referência e excelência reconhecida por todo mundo que trabalha com figurinos vitorianos. O molde chegou no meu e-mail, eu imprimi na lojinha de cartuchos do mercado próximo de casa, montei e finalmente cheguei a uma crinolina decente, que é a que me acompanha até hoje sem qualquer alteração ou conserto:

Ela parece totalmente pequena na foto porque a manequim é uns 25cm mais alta do que eu. Eu precisei tirar 2 aros do molde original porque, além de comprida, a crinolina ficaria muito grande para alguém do meu tamanho. E se eu quiser deixar a saia um pouco maior, para um vestido de baile por exemplo, é só engomar bem a anágua de babados que vai em cima da crinolina.

Possibilidades de moldes

Minha primeira escolha será sempre um molde da Truly Victorian. Com um pacote você tem todos os tamanhos, então é algo que eu considero bem vantajoso, especialmente se você trabalha com figurino.  A Truly Victorian tem três modelos diferentes de crinolina à venda em formato digital no site da marca: a crinolina de passeio (a que eu fiz), um modelo circular alternativo e a elíptica dos anos 1860. Não sou afiliada da marca, nem estou fazendo publipost 😉

Marcas que trabalham com moldes em papel, como a Simplicity e a McCalls têm alguns moldes disponíveis também. Alguns deles podem ser achados na Amazon, mas o frete é uma coisa que tem complicado a nossa vida.

O terceiro volume da coleção “Para Vestir a Cena Contemporânea”, que trata de roupa íntima feminina do século 19, tem molde para ampliar e um tutorial de montagem da crinolina (mas tem algumas coisas nele que eu não concordo e vamos conversar sobre isso a seguir). Você acessa o livro gratuitamente aqui. 

Agora, vamos aos materiais

AROS | Comprar uma crinolina chinesa é a melhor fonte de material. Se você usar os cupons do site e ficar de olho nas promoções, consegue comprar todas as barbatanas que vai precisar por metade do que elas custariam no Brasil. Isso mesmo com dólar alto, hein? Para fazer a minha crinolina, usei uma crinolina de 6 aros (que me deu cerca de 17m lineares de barbatana) e o aro inferior da crinolina de 3 aros antiga (mais 2m). No seu maior tamanho, o molde da Truly Victorian usa 23m lineares, mas considerando que a mulher brasileira é mais baixa que a americana, é provável que você também precise tirar 1 ou até 2 aros na parte de baixo.

Falando sobre aros: a estabilidade/qualidade da crinolina não está no número de aros, mas na combinação entre as tiras de sustentação, a largura da faixa da cintura e essa barra de tecido embaixo, chamada de bag. Bem toscamente, isso:

As crinolinas gaiola têm no mínimo 7 tiras de tecido que saem da cintura e vão até a bag. Todo o peso da crinolina é dividido entre essas tiras e são elas que controlam o formato dos aros. E não dá pra prender na máquina por um motivo: você tem que ir alfinetando, testando, deslocando a posição das tiras até chegar no equilíbrio perfeito da peça. Por isso eu levo 3 meses fazendo uma boa crinolina 😉

TECIDOS | O algodão é seu melhor amigo. Eu gosto de usar algodão cru, mas dá pra fazer com qualquer algodão que tenha uma trama firme. É importante tomar cuidado de não usar absolutamente nada enviesado, porque isso altera totalmente o equilíbrio da crinolina.

Aliás, falando em viés… Lá em cima eu falei que tinha um probleminhas com o tutorial do “Para Vestir a Cena Contemporânea”. Eles aconselham usar viés para fazer as tiras de sustentação, encapar as barbatanas e fazer as canaletas que vão na bag. Não faça isso. O viés é uma material preparado para ter uma certa elasticidade e ele vai ceder com o passar do tempo, fazendo com que a sua crinolina perca estabilidade e precise de manutenção constante. Minha primeira tentativa de crinolina gaiola foi feita com viés e eu precisa costurar várias tiras de novo a cada dois ou três usos:

Foto de 2015

Importante: não use NADA que tenha elastano. E tecidos nobres, cheios de brilhos, são péssimos pra esse tipo de coisa. 

MATERIAIS ALTERNATIVOS

Eu sei que era isso que vocês estavam esperando, rsrsrsrs.

Vocês já viram aquelas saias de armar que se alugam com vestidos de festa de 15 anos? Em alguns lugares do Brasil elas chamadas de anágua ou saia bambolê, porque têm um aro de bambolê na barra além de várias camadas de babados de filó. Taí uma coisinha pra você olhar com carinho.

Já fiz crinolina com aro de bambolê? Sim. Foi uma emergência, para um figurino de baixo orçamento, e funcionou razoavelmente bem. Em termos de formato ela ficou ótima, mas não é flexível. Então só é uma boa ideia para cosplays ou figurinos em que a pessoa que usar não precise sentar. Ou, se a pessoa tiver a manhã, ela consegue sentar subindo os aros na parte de trás do vestido.

No caso dos aros de bambolê, meus conselhos anteriores sobre tecido continuam valendo. 

Você compra os aros de bambolê em lojas de materiais de construção. Elas são vendidas como um tipo de mangueira mais rígida e são um material barato (lembro que paguei cerca de R$ 0.75 o metro). Por serem mais largas, você também precisará de menos aros, o que vai baratear o projeto.

Esse modelo é excelente para produções steampunk/góticas/burlescas, porque, com um bom acabamento, ninguém diz que é mangueira:

Sei lá, só dando uma ideia…

Barbatanas plásticas definitivamente são uma péssima ideia aqui. Mesmo que você dobre a barbatana e coloque 4 barbatanas em cada canaleta, as barbatanas plásticas de lingerie não têm estrutura pra manter o formato, muito menos pra sustentar a saia. Experiência própria, de novo: quando colocamos a saia, ela deforma para os lados e fica mais parecendo um panier do século 18 do que uma crinolina vitoriana. 

Scarlett O’Hara deusa das crinolinas exageradas que nós amamos

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Uma resposta

  1. Estava pensando se eu usasse uma mangueira bem fina, mas preenchida com espuma de poliuretano (preenchidas com a mangueira num molde do aro. Para ficar leve, mas ainda sustentar.

    Pq com o preço para despachar bagagem hj em dia… Tenso

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