O corset do século 18 – que na verdade se chamava PAIR OF STAYS – tem um formato muito diferente daquela ampulheta que se vê na moda vitoriana. Essa diferença vem não só da função que se esperava da peça (a função primária dos stays não era afinar a cintura, mas sim dar suporte ao tronco e ao seios), mas da modelagem também. Vamos ver isso de perto?
Um típico corset vitoriano de 1880, com a silhueta que é a principal referência quando se fala em espartilhos.
Um século antes, os corsets/stays eram bem diferentes:
Só a título de curiosidade, vou deixar aqui também uma comparação entre as modelagens deles. Os dois moldes são do livro “Corsets & Crinolines” (Nora Waugh):
SUGERIDO | Moldes para corsets históricos
FASHION PORN – STAYS (1780-1790)
Tava viajando sem compromisso pela internet (mentira, eu tava pesquisando modelagem pra fazer meu próprio corset) quando encontrei uma foto de um par de stays de 1780 sem o forro. Achei até que fosse alguma reprodução moderna, mas descobri que é uma peça original. Eles estão super bem preservados, com as barbatanas íntegras e muitas camadas internas de reforço. Preparados para uma sessão de fashion porn?
(é só clicar nas imagens para abrir em tamanho maior)
Preliminares – o exterior
Este é ele de frente:
Ele é feito em linho e todo costurado à mão. O linho externo é um tom marrom claro/caramelo e o forro era provavelmente de um linho mais claro. As barbatanas são de cartilagem de baleia e os acabamentos são feitos com camurça e um cordão de algodão, sobre o qual vamos falar mais pra frente. Essa meia-abertura na frente é uma característica muito própria dos stays de 1780, porque nessa época a silhueta começa a pedir um busto mais arredondado e próximo da posição natural e essa abertura permitia regular a compressão do busto. Ali tinha uma fita para isso, provavelmente de linho também.
E aquela peça marrom meio perdida ali no meio, Modista? Aquilo é um busk, uma peça originalmente de madeira, que era inserida entre as mamas para aumentar a sustentação do busto e deixar a frente dos stays mais retinhas (ótima para quem tem uma barriguinha saliente, como eu). Os busks de hoje, que são metálicos, são uma criação do século 19.
Agora, vamos enaltecer essa silhueta lateral e o trabalho de fazer todas essas canaletas à mão?
Só mais um pouquinho de exaltação do trabalho anônimo de quem costurou essa obra de arte:
As costas altas e retas são outra marca dos stays do século 18. Os corsets do século 19, por outro lado, têm costas curvas, que seguem a curvatura natural do nosso corpo.
Nudez Total – tirem as crianças da sala!
O-l-h-a e-s-s-e i-n-t-e-r-i-o-r:
A gente consegue ver perfeitamente os oito painéis dele (que são as costuras em tom caramelo), além dos reforços feitos para estruturar as partes que precisavam de mais sustentação ou que sofriam com mais desgaste/pressão. Cintura, busto e axila são reforçadas com buckram, uma entretela histórica que eu já ensinei a fazer em casa bem aqui.
Agora, foca nessas barbatanas horizontais que ajudavam a arredondar o busto e nos reforcinhos de buckram pra deixar tudo no lugar no busto:
E na cintura:
O busk é um caso à parte. Nessa época os busks já tinham se tornado peças mais utilitárias do que qualquer outra coisa, mas a posição deles ainda guardava uma certa conotação erótica. Nos séculos anteriores, essa relação era muito mais explícita e muitos busks de 1600 têm mensagens e desenhos eróticos gravados. A historiadora Sarah Bendall estudou essa relação dos busks com o desejo e as práticas de flerte na Inglaterra. Você encontra o artigo dela sobre o tema aqui (em inglês).
Vamos dar uma olhadinha de perto nesse busk:
Se você observar bem, verá que resta um pouco de tecido na volta dele. Provavelmente era um ‘bolsinho’ costurado nos stays e que permitia remover o busk quando necessário. Infelizmente não tem fotos do busk fora dali, nem informações sobre o tipo de madeira usado.
Montagem & Acabamentos
Esse tipo de peça era construída em painéis e cada painel era finalizado individualmente (exceto pelas barbatanas) antes de fechar a peça. De uma forma geral, as peças de roupa do século 18 tinham uma margem de costura bem maior do que usamos hoje, o que permitia às costureiras deixar as bordas dos tecidos sem acabamento. No caso de peças como stays, as margens de costura ficariam escondidas debaixo do forro e um acabamento muito simples era feito para aumentar a estabilidade da costura. Os painéis eram unidos através de uma costura em espiral (com quatro fios de linha!) e as margens de costura eram então presas com um ponto corrido em diagonal:
Para esconder as costuras do lado de fora, o criador usou um cordão (de linho?) costurado em espiral, num tom contrastante com o marrom do tecido externo:
Eu nunca tinha visto um acabamento assim, mas achei a ideia muito criativa e melhor do que as alternativas que eu tinha para decorar meus stays até então.
As tabs/abas do quadril são as únicas partes que mantiveram o forro, porque ele é independente do forro do tronco. Ainda assim,elas têm um acabamento com fita de linho em toda a volta, assim como no decote. Ah, essa peça maravilhosa pertence à coleção de indumentárias históricas da Universidade de New Hamsphire.
Uma resposta
Parabéns.
Excelente pesquisa