A Modista do Desterro – Pauline Kisner

Calling Cards: A Arte Vitoriana dos Cartões de Visita

Hoje em dia, o uso de cartões de visita é muito comum no meio dos negócios, mas deixado de lado quando o assunto são as relações pessoais. Em tempos de redes sociais, então, é totalmente aceitável você conhecer uma pessoa hoje e já adicioná-la no Facebook sem maiores esclarecimentos. Antes da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), quando os códigos da vida em sociedade eram muito mais rígidos, estabelecer relações sociais era muito, muito mais complicado. Havia regras específicas para fazer visitas, enviar convites e até para ser apresentado a alguém. E os calling cards ou cartões de visita tinham um papel muito importante nesse jogo.

Os cartões de visita antigos não só eram maiores que os de hoje, como muito mais decorados (e vitorianamente elegantes, não?).

Os calling cards eram uma parte fundamental da etiqueta no “mundo civilizado” do século 19. Embora esse costume tenha sido adotado no Brasil bem mais tarde (da metade do século em diante), ele era comum na Europa e nos Estados Unidos desde o começo dos anos 1800. Apesar de ser bastante usado para contatos profissionais, como o sapateiro da foto acima, o cartão de visitas fazia sucesso mesmo era entre as mulheres ricas. Impossibilitadas de participar da vida pública através da política e do trabalho, cabia a elas a tarefa de “fazer a social” em nome da família – e garantir bons contatos para seus maridos e bons casamentos para seus filhos. Como elas faziam isso? Frequentando todo tipo de atividades sociais: chás, bailes, piqueniques, saraus, visitas e viagens, ofícios religiosos e participando de obras de caridade. Nesse cenário, os calling cards ajudavam a identificar quem era ou não admitido em um determinado círculo social. Além de funcionarem como uma espécie de contato inicial entre as pessoas.

Esses cartões eram tão importantes que tinham regras específicas de confecção e de troca entre as pessoas. Um cartão de visitas masculino deveria trazer o nome do cavalheiro e seu endereço; o das mulheres não tinha essa última informação. Uma mulher casada usaria o nome de seu marido; Mary Gaskell, esposa de William Bennet, teria escrito em seu cartão Mrs. William Bennet. Uma moça solteira usaria o mesmo cartão da mãe, tendo seu nome impresso abaixo do dela com letras menores. Pessoas com títulos de nobreza (Barão, Visconde, Duque) ou com alguma outra qualidade (como um médico ou cientista) podiam incluir seu título antes do nome.

Os calling cards eram transportados em cases charmosos de prata ou ouro, às vezes filigranado, outras vezes apenas entalhados.

Os cartões eram usados para apresentar pessoas, para anunciar a presença de alguém na casa ou em uma festa e para informar que um visitante havia passado por ali na ausência dos donos da casa. Em muitos palacetes havia até mesmo um cômodo ou um hall de entrada preparado para acolher os visitantes que vinham deixar seus cartões, enquanto os anfitriões decidiam se os receberiam ou não.

A apresentação dos calling cards era muito importante. Sabe aquela história de que “a primeira impressão é a que fica”?

“Para os que não são refinados nem bem-nascidos, o cartão de visitas é nada além de um pedaço de papel sem importância ou significado; mas para o culto discípulo da lei social, ele contém uma sutil e infalível inteligência. Sua textura, o estilo de gravação, e mesmo a hora de deixá-lo se combinam para colocar o estranho, cujo nome ele carrega,em uma posição agradável ou não, mesmo antes de seus modos, sua conversação e sua face tenham apresentado sua posição social. Quanto mais alta a civilidade de uma comunidade, mais cuidadosa ela é para preservar a elegância de suas formas social. É bastante fácil expressar um bom-nascimento através das formalidades dos cartões, assim como por qualquer outro método, e talvez sejam eles, de fato, a mais segura apresentação para um estranho. Sua textura deve ser delicada, seus dizeres em letras planas, e não devem ser muito pequenos nem muito grandes. O refinamento dificilmente é obtido através de exageros. (“Our Deportment”, por John H. Young, 1881. Clique aqui para ler a versão online em inglês)”

Entregando Seus Calling Cards

Quando uma família chegava de visita na cidade, a senhora da casa precisava avisar a todos os seus contatos. Ela mandava um criado entregar seus cartões em casa dos amigos e conhecidos e esperava então ser respondida – normalmente a outra parte lhe enviava também um cartão e no verso especificava um dia e horário para a visita.

Não havia “visitas surpresa” e os domingos eram reservados para os amigos próximos e parentes. Você também não poderia simplesmente deixar seu cartão na casa de uma pessoa desconhecida e esperar um convite para o chá. Seria preciso que vocês tivessem amigos em comum, que fizessem uma apresentação formal, para depois você deixar seu cartão na casa da pessoa e ter chances de ser convidado. As suas chances dependiam diretamente da fortuna e conexões da sua família e da fama dos membros dela. Então aquela prima mais “saidinha” poderia ser um claro empecilho para que você ascendesse socialmente num mundo onde a fofoca não tinha limites.

Se você fosse pessoalmente deixar o cartão na casa de outra pessoa, ele seria entregue ao mordomo sem envelope e deveria ter um dos lados dobrados; ao entregar, você deveria também informar para quem era a visita. Caso a visita fosse para todos os membros da família, o cartão deveria ser endereçado à senhora da casa e dobrado ao meio.

Você jamais entregaria ou enviaria seu cartão em um envelope a menos que fosse para dar um fim à sua amizade com a pessoa (o equivalente vitoriano de bloquear nas redes sociais)!

O Código nada secreto dos Calling Cards

Em ocasiões formais, como noivados, casamentos ou nascimentos, os cartões eram deixados por uma questão de educação. Após um baile ou jantar, você também deveria enviar um cartão ao seu anfitrião como agradecimento pela hospitalidade. Estes cartões, que substituíam uma visita, poderiam receber uma discreta e elegante inscrição à lápis, que informava o sentido da entrega daquele cartão. Em francês, claro:

p.f. – pour féliciter, um cartão de felicitações.

p.r. – pour remerciar, um cartão de agradecimento

p.c. – pour condoléance, um cartão de condolência

p.p.c – pour prendre congé, para informar de sua ausência na cidade em breve.

p.p. – pour présenter, um cartão deixado como um pedido para ser apresentado a uma pessoa específica através de um amigo em comum.

p.f.N.A- pour feliciter Nouvel Annéuma novidade introduzida nos anos 1880, quando as felicitações de Ano Novo se tornaram chiques.

Além das inscrições em francês, havia um código nada secreto através das dobras nos cantos dos calling cards:

Dobra no canto superior direito, para baixo – um cartão substituindo uma visita

Dobra no canto superior esquerdo, para baixo – felicitações

Dobra no canto inferior esquerdo, para baixo – condolências

Dobra no canto inferior direito – aviso de que você está de partida da cidade

Pequena dobra em toda a lateral direita- cartão entregue pessoalmente na casa.

Fazendo seu Calling Card

Então você quer se apresentar corretamente um evento histórico ou criar um cartão historicamente correto para seu personagem? Aqui vão algumas dicas para fazer seus calling cards em casa.

Tamanho – originalmente o cartão masculino era menor do que o feminino e deveria caber no bolso interno da casaca. Para fins de praticidade, você pode usar a medida do cartão de visitas atual que é de aproximadamente 9x5cm. Claro que você pode aumentar ou diminuir de acordo com a sua necessidade.

Informações de contato – na Era Vitoriana tudo o que as pessoas precisavam incluir no cartão era seu nome. Homens (nunca os nobres!) podiam incluir informações profissionais, mas só eles. O endereço era totalmente proibido no cartão das mulheres. Somente cortesãs tinham cartões com seus endereços e por motivos óbvios…

Papel – o ideal é optar por um papel branco e macio, próprio para impressão de cartões, que você encontra facilmente em livrarias. Se for optar por papéis coloridos, procure cores claras, que não restrinjam muito a paleta de cores que você pode usar na impressão.

Decorações – muito embora os manuais de etiqueta da época sejam taxativos ao dizer que não se deveria incluir bordas decoradas e desenhos nos cartões, a maioria dos calling cards que sobreviveram são beeeem decorados. Além de bordas douradas e prateadas (pretas, em caso de luto), usavam-se fontes rebuscadas e desenhos coloridos de flores e pássaros. Claro que esses eram os modelos mais caros.

Aliás, que tal se inspirar nesses calling cards para criar o seu?

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