A Modista do Desterro – Pauline Kisner

A noiva vitoriana de 1840

A partir de 2019, nossa série especial sobre as Noivas Vitorianas se torna mensal, sempre apresentando curiosidades sobre a corte, os arranjos de casamento, relacionamentos e, claro, os vestidos de noiva da Era Vitoriana. No artigo de hoje, nós vamos ver um pouquinho sobre os vestidos e tradições do casamento nos anos 1840. Vamos lá?

A primeira noiva vitoriana

O casamento da Rainha Vitória foi um divisor de águas na história dos casamentos do século 19. Quando a jovem rainha se casou com o Príncipe Albert, em 1840, acabou lançando tendências meio que sem querer. Seu vestido branco, todo com seda e rendas inglesas, era acima de tudo um posicionamento político da Rainha diante da indústria britânica – mas acabou se tornando o referência de vestido para várias noivas vitorianas depois dela, e até para as noivas dos séculos seguintes:

O retrato pintado por Franz Xavier Winterhalter nos anos 1840 nos mostra o vestido ainda com a parte de renda original.

Quando a Rainha Vitória se casou, o branco não era a cor de preferência para os vestidos de noiva. No século 18, reis e rainhas se casavam com tecidos prateados, que enfatizavam a riqueza e o luxo das Casas Reais. O branco tinha se tornado uma cor mais presente na moda durante o período das Guerras Napoleônicas (1799-1815), mas ainda assim de forma muito restrita: ele era usado em vestidos de verão e de baile, mas só pelas mulheres de famílias muito ricas. Isso porque os tecidos brancos eram caros de serem produzidos e difíceis de serem lavados, então andar por aí com um vestido branco de cauda era mandar um recado ao mundo de que você era muito rica.

A noiva vitoriana dos anos 1840

Nos anos 1840, a Europa estava passando por uma transformação muito profunda. O crescimento da indústria tinha colocado um novo grupo social em evidência de forma definitiva: a burguesia. Enquanto os nobres se orgulhavam de descender de famílias antigas, que serviam há séculos a mesma Coroa e estavam ligadas a grandes propriedades de terra, os burgueses estavam chegando na alta sociedade através da indústria e do dinheiro acumulado. Quem gosta de literatura de época conhece bem esse cenário: quantos nobres endividados não se viram obrigados a casar com a herdeira de um industrial rico e ter que ignorar sua origem familiar humilde para salvar seu título e propriedades?

Para além da ficção, os burgueses eram um grupo muito rico e influente na Europa nos anos 1840, mas eles tinham algumas ideias bem diferentes da nobreza quando se tratava de trabalho, comportamento e até moral. Graças à influência da burguesia, a sociedade inglesa estava abandonando os costumes considerados “decadentes” do século 18 e abraçando aquilo que a gente conhece como a moral vitoriana: valorização da família e do espaço doméstico, a ideia da mulher como uma flor delicada que precisa ser protegida e guardada, a posição do homem como chefe de família e provedor…tudo isso vem daqui. E a nossa típica noiva vitoriana estava presa no meio desse fogo cruzado.

A própria Rainha Vitória abraçou a nova moral burguesa. Em lugar dos retratos solenes que os reis costumavam ter com seus filhos, ela se fez pintar com o marido e os filhos numa cena quase doméstica, como uma grande família feliz que serviria de modelo para todas as outras famílias do reino.

A perfeita noiva vitoriana

Numa época em que a inocência (leia-se virgindade) feminina era tão valorizada, havia uma certa tendência de manter as jovens mais ou menos ignorantes com relação à sexualidade. Claro que isso não significa que todas chegavam ao casamento sem ter noção do que acontecia entre homem e mulher ou de como nascem os bebês, mas havia o desejo de que a mulher se mantivesse pura, em todos os sentidos, até o casamento. Então, o vestido da noiva vitoriana de 1840 refletia exatamente essa ideia.

O vestido da noiva vitoriana, em todas as décadas, começava pela escolha do corset. Entre as noivas ricas ou de classe média, era comum encomendar um jogo de lingerie especial para o casamento e noite de núpcias. As decorações e materiais usados é que variavam de uma década para a outra.

Corset (1839-1841). Acervo do MetMuseum

Além do corset, nossa noiva vitoriana deveria vestir uma série de outras peças, como a chemise e um inacreditável número de até 7 anáguas engomadas para dar suporte à saia!

Jogo de lingerie dos anos 1840. Kent State Museum

O vestido de noiva era considerado um vestido de gala, portanto poderia deixar os ombros à mostra. E o corte dos decotes buscava enfatizar uma linha muito arredondada dos ombros, levemente caída e quase infantil. A cintura dos vestidos dos anos 1840 era alongada e o corpete terminava numa ponta, o que enfatizava uma cintura fina e delicada. Os vestidos de gala eram os que tinham as pontas mais profundas.  O contraste dos ombros e da cintura marcada com a saias amplas reforçava a ideia da mulher como uma criatura frágil, delicada, que precisava de proteção. Quase um bibelô de porcelana.

E como eram os vestidos?

Há uma número bem significativo de vestidos de noiva “brancos” dessa época preservados em museus. Eu coloco a cor entre aspas porque muitos deles mudaram de cor com o passar do tempo, ficando levemente amarelados e parecendo mais champagne do que brancos. Além do vestido da Rainha Vitória, esse aqui é um dos meus favoritos, porque ele lembra levemente o vestido de noiva da minha mãe, que casou em 1984:

1840-1842. Acervo do MetMuseum.

Mas ele não é um vestido de noiva – ou pelo menos não está identificado assim no site do museu. Sabe por que isso acontece? De acordo com os manuais de etiqueta da época, como o “The Ladies’ Book of Etiquette” (1837), as madrinhas também usavam branco, algo impensável nos dias de hoje, né? O que diferenciava a noiva era o véu e o fato de que ela podia usar uma grinalda de flores ou tiara de pérolas e o buquê com as flores que simbolizavam pureza e lealdade, como a flor-de-laranjeira. Aliás, na Era Vitoriana existia uma “linguagem das flores” chamada Floriografia e você pode ler sobre ela clicando aqui.

Toda noiva vitoriana que tivesse condições usaria seda no dia do seu casamento: tafetá e cetins eram as escolhas mais comuns. No caso dos vestidos brancos, a maioria dos que sobreviveram são lisos, com aplicação de rendas na mesma cor ou decorações feitas do mesmo tecido, como era comum na época:

Mas havia as sedas estampadas, que podiam ser brocados delicados e sutis, como essa peça maravilhosa do Museu do Romantismo de Madri:

Ou estampas realmente vibrantes, misturando cores diferentes. Esse aqui é do Albany Institute de Nova York:

E quem não usava branco?

Hoje em dia a regra do branco já não é tão rígida e eu mesma fugi dela, casando de vermelho. Mas como nós não somos tão modernos quanto gostamos de pensar, casar fora do branco já era tendência lá na Era Vitoriana. Noivas mais velhas, de origem mais modesta ou simplesmente mais práticas davam preferências por vestidos de outra cor, que poderiam ser facilmente usados para um baile ou jantar depois do casamento.

Esse vestido xadrez, por exemplo. A noiva era filha de um modesto fabricante de tecidos de algodão e se casou com o dono de um armazém em 1849:

Um vestido de noiva ainda menos ortodoxo é esse modelo de 1849. Uma noiva de personalidade, certamente:

Bowes Museum

Os acessórios da noiva

Normalmente, o casamento vitoriano era celebrado de manhã e, no lugar de um jantar, a recepção era feita com um café-da-manhã bem elaborado. Por conta disso, muitas noivas combinavam o vestido decotado com um um xale ou pelerine, que podia ser feito com o mesmo tecido do vestido ou de renda:

Acessório quase obrigatório para a noiva vitoriano dos anos 1840 era o bonnet, geralmente feito de seda e combinando com o vestido. O bonnet era decorado com flores-de-laranjeira e podia ainda receber o véu por cima:

Victoria & Albert Museum, 1845.

Para casamentos no verão, o bonnet de palha trançada também parece ter sido bastante popular.

O bonnet seria usado na saída da igreja e também na viagem de lua-de-mel, caso houvesse uma. Mas durante a cerimônia, a maioria das noivas (pelo menos todas as que se casavam pela primeira vez) usava uma combinação muito comum até hoje: véu e grinalda.

Uma adorável noiva inglesa de 1846.

As grinaldas mais populares eram feitas com flores de papel, fabricadas à mão por artesãos especializados. Esta aqui é uma peça portuguesa de 1848:

As noivas mais ricas também podiam optar por grinaldas feitas de pérolas, cêra ou outros materiais nobres:

As luvas também eram uma parte importante do traje da noiva vitoriana. Por si só, as luvas já eram um artigo de luxo e inacessível para a maioria das pessoas. Luvas especialmente feitas para o casamento, de seda ou pelica, eram algo que pertencia ao universo de noivas muito, muito ricas. Noivas mais modestas podiam se contentar com as mittens, luvas sem dedos usadas desde o século 18, e que poderiam ser feitas de crochê ou de tecido pelas próprias mulheres da família ou passadas como herança.

Luvas de couro de vitelo, 1842. MetMuseum
Receita de mittens de tricô em uma revista dos anos 1850, mas com um modelo em uso desde 1830.

Os sapatos eram uma parte importantíssima do vestido de noiva. Isso porque o século 19 era meio obcecado com os pés femininos. Se você reparar bem nas ilustrações da época, os pés femininos são sempre retratados como sendo pequenos e delicados, até meio desproporcionais em relação ao corpo. Até por isso, os sapatos da noiva vitoriana buscavam ser muitos delicados e até pouco práticos.

A primeira opção dos anos 1840 eram as sapatilhas, geralmente feitas de cetim, com o bico quadrado, que podiam o não ser amarradas no tornozelo como sapatilhas de bailarina. De forma geral, os primeiros anos da década de 1840 ainda tinham uma influência dos sapatos dos anos 1830, então uma noiva que casasse em 1841 ou 1842 possivelmente usaria as sapatilhas trançadas, como as que a própria Rainha Vitória usou:

Já uma noiva de 1844 para a frente usaria um estilo mais típico da época, já sem as amarrações:

Não sei vocês, mas eu fiquei com muita vontade de ter uma dessas.

Aparentemente, botas também era uma opção, especificamente as chamadas “botas adelaide”, delicadas e pouco práticas, feitas em cetim:

Para saber mais:

Não dá para incluir mais imagens nesse post, senão ele ficaria muito longo e pesado. Então criei um painel no Pinterest com vestidos e acessórios da noiva vitoriana originais dos anos 1840 para você se inspirar.

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